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Sunday, June 11, 2023

Tempos da UERJ

Entre 1988 e 1996, vivi mais tempo na UERJ do que em minha casa e meus ambientes de trabalho. Foram anos incríveis, que mudaram minha vida para sempre. Não somente pela minha formação acadêmica - até hoje tento entender como consegui aprender aquilo -, mas pela formação de vida, de cidadão, de politização, de tudo. 

Na UERJ, você vive o conceito de universidade como nunca: está na Matemática, sobe uma rampa e lancha com os futuros advogados; desce outra e debate com os futuros engenheiros. Entra no elevador e encontra o camarada da História, a gata da Educação Física, a gataça da Psicologia, os caras maneiros da Física. É tudo junto e misturado. Nos tempos das Olimpíadas era um barato total. 

Num segundo, foi lá que conheci direito David Lynch, Hector Babenco, Tunga, Hemingway, João Antônio, Gerald Thomas, Plínio Marcos, João do Rio, Alan Parker, Tom Waits, Nick Cave, Jack Kerouac, Neil Young, Leonard Cohen, Basquiat e todo o jazz. Sentado no banco da concha, vi Paulinho da Viola, Victor Biglione, Gilberto Gil, Ed Motta, a imortal Cássia Eller. Assisti "Veludo Azul" e "Ironweed". Dei beijos também, faz parte do jogo. 

No Teatrão, ainda inacabado, aplaudi a Cássia também (dois shows dela!), o Ney Matogrosso, a Leila Pinheiro (quase compramos um buquê de flores pra ela, mas as garotas do CA não se conformaram e desistimos), Fernanda Abreu, Vinícius Cantuária, Raphael Rabello e um certo Tom Jobim. 

No auditório, fiquei cara a cara com Luiz Carlos Prestes. Só. 

A proximidade da UERJ me levou aos cinemas da Tijuca, ao Café Palheta (onde celebrei minha colação de grau com a Diniz e a fantástica Conceição), às ruas e aquilo se multiplicou pelo Grajaú e Vila Isabel. Atravessei tardes e noites em suas calçadas. Virei freguês do Capelinha, outrora frequentado por um certo Noel Rosa. 

Meu amor mora ao lado: o Maracanã, aquele velho Maracanã de gente simples e jogos imortais. Descer o elevador com caderno e prancheta, atravessar a rua, comprar o ingresso e entrar no mundo dos sonhos. 

Eu era um garoto pobre e desesperado, queria estudar e conseguir um emprego para ajudar minha família. O governo fazia de tudo para não passar os recursos para a UERJ. Sabotavam tudo. Ficamos nervosos, fomos à Alerj e rolaram as pedras.

Saí do pavilhão como um profissional formado e um jovem homem muito melhor do que entrei. Nunca fui doutrinado por ninguém e nem precisava: a política eu aprendi em casa. 

Um dia tive que sair, mas a UERJ nunca mais saiu de mim e ela está nos meus atos, falas e textos. Ela vive. Todo dia penso em alguma coisa que tem a ver com ela. 

Naquele prédio, conheci jovens homens e mulheres da pesada que carrego comigo até hoje. Vivi situações hilárias e dramas. Aprendi coisas demais. Não saí apenas como um estatístico, mas também como um escritor a vingar mais tarde. 

Talvez aquele tempo seja o melhor livro que ainda não escrevi. 

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