Translate

Monday, June 12, 2023

Sobre Serguei

Estava com minha mãe na porta da famosa loja Gabriel Habib, que ficava no Shopping dos Antiquários quando ele nem tinha esse nome. E estava muito feliz com a possibilidade de ganhar um carrinho de plástico, quem sabe um caminhão. 

Eu gostava muito de andar de mãos dadas com a minha mãe. Aquilo me fazia muito bem, e felizmente durou muito tempo. Bem, prestes a entrar na loja, de repente surgiu um homem gigantesco e veio cumprimentá-la. Os dois se abraçaram e então ele veio falar comigo, mas não entendi bem o que ele disse. Então conversou com minha mãe por alguns instantes e depois nos despedimos. 

Todo mundo era gigantesco para mim. Eu tinha seis para sete anos de idade, era pequenininho. Mas aquele homem era diferente. Primeiro, ele tinha o cabelo enorme e olhos muito, muito claros. Segundo, estava todo vestido de preto. Nunca tinha visto nada parecido. 

Quando entramos na Gabriel Habib, minha mãe disse "Paulo, esse é o Serguei". Que nome! Se não tinha visto nada parecido antes, imagine o nome para quem mal saía do Bairro Peixoto. Mas as garotas de Copacabana nos anos 1960 o adoravam, e minha mãe tinha sido uma delas. Não fosse a bitchness, Serguei poderia ter namorado todas as mulheres que quisesse: era considerado o sujeito mais bonito do bairro. 

Passaram-se vários anos, mudamos de casa mas continuávamos em Copacabana. Àquela altura, eu já era um ouvinte de rádio, caçando sons na Fluminense FM, Antena 1, Cidade e Del Rey, quando o gigantesco homem da porta da Gabriel Habib cantava rock a valer. Com vários anos de carreira, Serguei ainda era cult mas já tinha uma estrada na música, lutando para emplacar com sua Banda Cerebelo.

Outros anos e Serguei arrebentou no Rock in Rio. Finalmente tinha conseguido o palco que tanto almejava, uma pena que a vitória seria efêmera por diversos motivos. Desde então, fazia furor em suas aparições midiáticas, geralmente nos programas de entrevistas de Jô Soares. Louco, divertido, hippie e gente boa, Serguei acabou se transformando mais em uma figuraça do que o artista que poderia ter sido. Isso não o impediu de viver o rock intensamente, é apenas a constatação de que o voo merecia uma altitude maior. 

Um belo dia, dá na TV a notícia de que Serguei estava com problemas de grana. Conversei com um colega meu e me veio à mente a coleção de lembranças, além de minha mãe naturalmente. Pensamos em fazer um livro sobre ele, cedendo-lhe o lucro das vendas. E escrevemos. É uma biografia, com a participação de gente boa falando do que representava o cantor. Mas tudo que cercava Serguei dava problema quando o assunto era lucro e, quando o livro estava prestes a sair, ele adoeceu, a impressão ficou sob demanda e depois ele morreu. De toda forma, ficou um registro bonito. Pelo menos é o que dizem os leitores que postaram suas opiniões no site da Amazon, exceto um que considerou o livro fraco. 

Ah, sim: acabei não ganhando o caminhão naquele dia. Não se pode vencer todas. 


No comments: