Translate

Thursday, May 31, 2012

Casa de amigos



4x

Anos escorrem feito água rumo ao ralo da pia. Dia desses, eu brincava de secar Bruno e Zé numa partida do Flamengo pela Copa do Brasil. Bebíamos no Calamares da Lopes Quintas enquanto Roberto Assaf parecia jururu ao ver o resultado. Depois, Edwin Luisi chegou por lá acompanhado de um amigo e perguntou sobre o placar. Feitas as contas, faz dez anos. Podia ser oito, desde o Santo André.

E também foi dia desses que Hamilton morreu tão estupidamente no asfalto. Dia desses Alex fugiu para sempre, Xuru também. A eterna história da Souza Lima.

Gosto quando o 409 faz a curva na Jardim Botânico à direita, rumando para o Horto. Dá uma saudade tremenda. Lembro quando tentei jogar tênis e não consegui. Ficou a onomatopeia de Gnomo: “Ahhhhhhhhhhh, brother”.

7y-3

Não tem mais Calamares, virou uma academia com suas lindas mulheres à tona. O Rio Master, vizinho, permanece. Boa a ideia de Bruno: fazermos uma janta em sua casa. Amadeo está por lá, Zé e Leo viriam depois. Comprei ravióli, fácil de fazer, mais molho branco: cebola picada, pimentão vermelho, linguiça, ervilha, azeitona, creme de leite.

A sala do 704 ficou bem maior. Confortável. Receptiva. Amadeo suja a parede, Bruno deixa um bilhete colado nela que dá direito à réplica. 

Na televisão, o inacreditável bispo Waldomiro vocifera e achamos graça, sem macular a imagem de Deus mas sim do pobre homem, pobre ser humano que arregimenta a ingenuidade de outro ser humano. Então falamos de vida e morte, dos tempos, das coisas, alguns risos, o que ainda faz sentido nesta terra onde a estúpida ganância prevalece a troco de nada. Um dia seremos carne podre decomposta e, a seguir, desaparecida. Vale a pena ser cretino ou imbecil ou arrogante? Tudo é estupidez. Felizmente, também temos risos. Gosto dos caras, relembro quando jogávamos futebol no Carioca ou sinuca no Tocão. 

Zé ainda está em casa e atende o telefone. Talvez traga algum doce para a sobremesa. Raul jamais virá, uma pena.

Horas antes, fiquei triste. Márcia que cuidava da loja de discos da rua do Rosário, faleceu subitamente. Era jovem, bonita e fumava. O inevitável soa injusto. É  vida, é vida, é injustiça e imprecisão.

9-12

Leo vem do aeroporto, Zé veio sem carro, ambos batem à porta, claro que Zé foi o último – tudo culpa da eterna faculdade. Antes disso, Amadeo chegou e sorriu como sempre. Ali, somos adolescentes politicamente incorretos: alguém sacaneia a viadagem de um artista, o jogo do Brasil é de uma chatice comovente, não tem Luciana Gimenez para nos servir de humorista e o jeito é apelar para Galvão Bueno.

Gosto de ver o molho borbulhando na frigideira. Capeletti e ravioli. Zé trouxe uma torta suculenta da Fornalha, ainda tinha sorvete de creme, cervejas, refrigerante e uma lata de Molico em cima do armário que Bruno jura ser da namorada. Fazemos piadas de tudo, algumas muito incorretas, como o humor exige.

Nada, entretanto, supera as imagens da televisão: “A Fazenda”. Ver Penélope e Capella no programa me surpreendeu. Gretchen, evidentemente não. Nicole é linda, Viviane também, uma lourinha ganha todas as nossas atenções. Os diálogos não importam: vale ver e apreciar.

Alguém me disse que Gretchen parece o Coringa num filme do Batman. Faz sentido.

Alguém me disse que nosso amigo da polícia ganhou excelente aumento para morar num ótimo apartamento da região. Não faz sentido.

Alguém me disse que o Moraes está preocupado porque não tem ainda três milhões para comprar seu imóvel em Brasília. Eu e Leo rimos muito. Estamos falidos, mas felizes. Aqui faz sentido. A felicidade pode muito bem andar de mãos dadas com a falência e dividir um chope num bar da orla, ou no Joia. Ou no Eclipse.

 4-(12-8)

Meia-noite, pensamos no futuro. Theo, filho de Zé, já bate à porta em julho. Outro amigo também pensa nisso, Lucas talvez. Ursula me telefona. As coisas parecem simples: um jantar, amigos queridos, comida apetitosa, risadas, programas de televisão imbecis servindo de ruído. O sentido da vida é tão-somente esse: viver fraternidades numa quarta-feira discreta. Antes, era no Calamares, agora é no 704, amanhã pode ter outra sede mas o sentido continuará o mesmo. A vida no bojo é uma merda: trabalhar sessenta anos, pagar contas, aporrinhar-se, perder amor, enterrar irmãos e pais, ver a miséria. Nas horas de folga, reunião de amigos faz bem, mesmo que dure só três ou quatro horas. É o que temos, é o que vivemos.

9 x (-45)

Bons tempos no futebol do Carioca. Zé nos dá uma carona de táxi. Pinheiro Machado, Santa Bárbara fechado, Largo do Machado, Catete, Lapa. Leo salta porque ontem é hoje. Agradeço o taxista e subo. 

Foi uma simples grande noite, ainda que o ralo da pia permaneça um autêntico vingador.


paulorobertoandel31052012


















1 comment:

Anonymous said...

Meu grande camarada, Mestre Paulo Andel!!
Fiquei muito feliz em ler seu texto (e que texto!!) sobre nosso petit rendez-vous de ontem!!
Petit quanto à duração, porém enorme quanto à alegria e à satisfação de reencontrar velhos e bons amigos.
Amigos de tempos que já mudaram, de tempos que não mudam e tempos que irão mudar.
O passar do tempo, dizem, apaga tudo. Ouso discordar, com toda vênia, dos que disseram isso. Ouso até dizer, com toda certeza de meu peito, que tal brocardo não se refere à amizade, pelo menos essa amizade que nutrimos por nós e pelo CT. Agradeço muito ao Grande Senhor Hórus, filho da celestial e magnânima Ísis e do Supremo Ser Osíris,Deuses de minha adoração pessoal, por ter tido sorte sempre em me cercar de boa gente. Lá em Campos, o Macgyver, o Geleia, Sarita, Ratinho, etc. . Aqui no RJ, você, a galera do Supremo Conselho do CT etc.. Não nomeei todos, pois teria que passar uns bons três dias escrevendo. À sorte ou ao destino, agradeço muito, mas muito mesmo àquela que se chama Isabel Machado, amor de minh'alma, mulher fantástica e companheira ideal da minha jornada neste orbe (te amo, Isabel!!). Peço desculpas se fugi um pouco do tema, a culpa é do meu coração e o meu amor por todos!!! É nózzzzz, Mestre Paulo!! Obrigado!!!