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Friday, December 13, 2024

Três anos no Pampeiro

O apartamento era um barato. Dois na verdade, um de frente para o outro. À direita do elevador, silêncio e paz. À esquerda, o caos juvenil. Jogávamos botão quase todo dia, nos finais de semana rolava War. Íamos até meia noite ou mais, depois víamos Goulart de Andrade ou alguma coisa assim na TV. Isso durou uns três anos, mas parecem  dez ou mais, de tão intenso que foi. Eu me divertia a valer. Ríamos o tempo todo, até de gol contra ou de pisar num caquinho. Era 1987, grandes jogos no Maracanã, grandes shows no Rio, depois passei para a faculdade e ficou melhor ainda. A gente não tinha dinheiro e nem precisava: a maior despesa era ir nas Casas da Banha comprar o lanche à meia noite, sempre podendo esbarrar com Fausto Fawcett, Roberta Close, Monsieur Limá, Rogéria, o ator Percy Aires e tantos outros grandes personagens do bairro. Terminada a farinha, voltava bem para casa, ficava a uns 400 metros - o Shopping dos Antiquários já estava todo silencioso, é o único lugar onde me sinto como um autêntico local. Claro que nem tudo são flores: havia a barra pesada. Amigos morreram em acidentes de carro, assassinados no morro, de AIDS, outros simplesmente sumiram para sempre. Eu saí do grupo de escoteiros, totalmente contra a vontade mas era necessário - all things must pass. Mas aqueles três anos jogando botão no Pampeiro ficaram para sempre - se pudesse, usaria todo o dinheiro do mundo para comprar um revival daquilo, mas é impossível e agora, como diz o poeta Gil, não tenho qualquer socorro no meu caminho inevitável para a morte, mesmo que ela pareça longe ainda - boa parte da areia da ampulheta já desceu. O que me importa é que 37 anos depois daqueles dias maneiros, meus amigos de lá ainda me chamam pelo WhatsApp. Agora eu sinto uma dor danada e lembro que este é um dia horrível, mas só de pensar nos meus 18 ou 19 anos, a gente sente um sopro de ânimo. Três anos no Pampeiro. Só faltava ter as Casas da Banha de novo. Nem falei dos Paralamas com "Bora Bora", dos Smiths no Maracanãzinho, das peladas de praia. Era bom demais. Era o meu mundo. 

@p.r.andel

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