Lá se foi a mãe do China, meu amigo há anos. Eu sei bem dessa dor, e toda vez que isso acontece eu sinto duas vezes: pela dor do amigo e pela minha, que volta à tona. Eu revejo meu pai e minha mãe ainda jovens, ainda tendo o que viver, delicadamente mortos e mergulho a 600 km/h num abismo. Quanto custa ter o pai ou a mãe mais seis meses ou dois anos por aqui? Eu não sei, apenas sofro, isso piora em dias como esses, perto do fim do ano, onde existe praticamente uma ditadura que te obriga a ser feliz. Eu não sou feliz, eu tenho momentos felizes. Quem pode ver o mundo como está e ser realmente feliz? A não ser que não pense em ninguém. É claro que pais e mães não são eternos, é claro que filhos enterrarem os pais é o natural, mas nem por isso a gente deixa de sentir dor, que pode durar muito tempo ou até para sempre. Só sei que sinto dor e sofro, sofro muito por mim mesmo e pelos outros, pelos próximos que às vezes sequer conheço. Eu queria falar muitas coisas agora mas não vou falar nada. Só quero dizer ao China que eu me solidarizo com ele. Lembro das vezes que ele foi tão bom anfitrião em sua casa alta. E quando me prestigiou em meus lançamentos. E quando bebemos chopes maneiros. Estou deitado, a TV fala algo que não escuto direito, é noite calorenta de sábado e não vou a lugar nenhum. Sinto dores. Converso no WhatsApp com colegas diversos, a Marina também. Penso em várias coisas que não sei dizer, em gente que perdi para sempre, em gente que ficou pelo caminho, penso nesse estranho mundo cheio de ruindade e solidão enrustida. Meu amigo China está triste e eu também estou, Mitya também está. Hoje foi um dia de ficar deitado. Eu senti dor, a gota atacou, fiquei recolhido. É duro não ser mais garoto e eu, que sempre tive vocação para ser menino, agora sigo outras palavras.
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Saturday, December 21, 2024
Friday, December 13, 2024
Três anos no Pampeiro
O apartamento era um barato. Dois na verdade, um de frente para o outro. À direita do elevador, silêncio e paz. À esquerda, o caos juvenil. Jogávamos botão quase todo dia, nos finais de semana rolava War. Íamos até meia noite ou mais, depois víamos Goulart de Andrade ou alguma coisa assim na TV. Isso durou uns três anos, mas parecem dez ou mais, de tão intenso que foi. Eu me divertia a valer. Ríamos o tempo todo, até de gol contra ou de pisar num caquinho. Era 1987, grandes jogos no Maracanã, grandes shows no Rio, depois passei para a faculdade e ficou melhor ainda. A gente não tinha dinheiro e nem precisava: a maior despesa era ir nas Casas da Banha comprar o lanche à meia noite, sempre podendo esbarrar com Fausto Fawcett, Roberta Close, Monsieur Limá, Rogéria, o ator Percy Aires e tantos outros grandes personagens do bairro. Terminada a farinha, voltava bem para casa, ficava a uns 400 metros - o Shopping dos Antiquários já estava todo silencioso, é o único lugar onde me sinto como um autêntico local. Claro que nem tudo são flores: havia a barra pesada. Amigos morreram em acidentes de carro, assassinados no morro, de AIDS, outros simplesmente sumiram para sempre. Eu saí do grupo de escoteiros, totalmente contra a vontade mas era necessário - all things must pass. Mas aqueles três anos jogando botão no Pampeiro ficaram para sempre - se pudesse, usaria todo o dinheiro do mundo para comprar um revival daquilo, mas é impossível e agora, como diz o poeta Gil, não tenho qualquer socorro no meu caminho inevitável para a morte, mesmo que ela pareça longe ainda - boa parte da areia da ampulheta já desceu. O que me importa é que 37 anos depois daqueles dias maneiros, meus amigos de lá ainda me chamam pelo WhatsApp. Agora eu sinto uma dor danada e lembro que este é um dia horrível, mas só de pensar nos meus 18 ou 19 anos, a gente sente um sopro de ânimo. Três anos no Pampeiro. Só faltava ter as Casas da Banha de novo. Nem falei dos Paralamas com "Bora Bora", dos Smiths no Maracanãzinho, das peladas de praia. Era bom demais. Era o meu mundo.
@p.r.andel
Wednesday, December 11, 2024
Todo dia
Morrer, todo mundo vai. É do jogo.
O problema do Rio é que todo dia morre alguém antes da hora, ou muito antes.
É a garotinha na praça, é a militar no quartel, é a senhora na comunidade.
Todo dia a sujeira dessa sociedade explode o peito ou a cabeça de alguém.
Há quem julgue ser fácil abstrair ou naturalizar a situação.
Eu não. Isso tudo me faz muito mal.
Quem sou eu para achar normal que, por não ser minha filha, sobrinha ou parente, a morte de uma garotinha por bala anônima deve ser algo natural? Não é. Nunca vai ser.
Os mesmos erros de sempre. As vítimas estão por toda parte. As famílias despedaçadas choram.
Onde foi que perdemos a humanidade?
Só quero lembrar que, antes de explodir a cabeça de alguém, a tal bala perdida fez um longo caminho. Veio de muito longe. Foi protegida por bandidos e militares, até chegar ao ponto de que ela mesmo, bala, decrete a morte de alguém geralmente indefeso.
Uma tragédia que muitos dão de ombros.
@p.r.andel
Tuesday, December 10, 2024
Depois o maluco sou eu
Terça, 11:15h, VLT SDU x Gentileza.
Estou em pé no vagão vazio. Vou saltar logo.
Perto de mim há um jovem de uns 20 anos no máximo, também em pé, navegando no smartphone. Padrão camiseta preta + óculos +
Na Cinelândia embarca uma senhora, bonita, mais de 60 anos com certeza. Entra e não senta.
Quando o VLT sai, ela se aproxima do rapaz, cola as costas em seu peito e começa a rebolar por uns cinco ou dez segundos.
Para, não diz uma palavra.
O garoto está paralisado.
Fico pensando se não estou esfomeado...
Ela desce na Carioca, eu também.
Ela olha para mim por alguns segundos,vira e caminha para a direção contrária de onde viemos.
Ok, sou de Copacabana. Já vi coisas N vezes mais escabrosas.
A senhora desparece, o VLT também.
Quando olho para a frente da estação, há um grande container na calçada da Rio Branco, ou algo parecido.
As pessoas indo e vindo no que já foi o coração da capital.
Acima do suposto container, um homem jovem usa sua mochila como travesseiro e dorme tranquilamente.
É o sono dos justos, quem sabe?