VOLTEI a Copacabana. Eu sempre volto. Na verdade meu coração e espírito sempre navegam por lá. Mesmo trinta anos depois de ter sido expulso pelo crime de ser pobre. Mesmo depois de tudo. Eu vivo intensamente as ruas abandonadas do Centro e de outros bairros, mas de alguma forma sempre estou em Copacabana. Então peguei o metrô à meia-bomba na Cinelândia e fui tranquilo para a Siqueira Campos. É sempre melhor descer pelo Aterro, ver o lindo recorte da natureza que vai até o Pão de Açúcar - a cidade tão bonita mas usufruída por tão poucos -, depois entrar no Túnel Novo e se sentir num verdadeiro túnel do tempo - eu brincava disso quando era criança - até fazer a gloriosa curva à direita que desemboca na Barata Ribeiro. Acontece que eu tinha tempo curto para chegar, então o metrô é uma garantia - cara. Queria chegar a tempo no mitológico sebo L. O. Matta, que é muito bom, com excelentes discos - as atendentes são maravilhosas, o dono não. Deu tempo de pescar um João Gilberto, era o que bastava. João foi de Copa, morou com João Donato perto da Cardeal Arcoverde, é coisa nossa. Fechada a loja em minutos, naveguei pelo Shopping dos Antiquários, reverenciei meu bar morto, espiei o prédio onde morei por 16 anos, outro que frequentei por dez e sonhei encontrar algum conhecido, mas não aconteceu. Olhei bem para as lojas, elas são totalmente diferentes do que eram há trinta ou quarenta anos, mas o shopping tem uma atmosfera inconfundível. Vi uma doceria com tortas lindas e quis comprar um pedaço para a Marina e outro para minha mãe, só que Marina está a 70 quilômetros e minha mãe, ah, talvez nunca mais ou no infinito, talvez somente dentro de mim mesmo. Voltei para o metrô e saltei na Cantagalo para encontrar meu amigo Raul. Nós abraçamos e caminhamos um pouco pela Aires Saldanha, com vários bares - um rapaz e uma garota, promoters da região, nos convidaram a entrar mas tínhamos um compromisso inadiável com o Caravelle. Agradecemos, os dois eram uma simpatia, seguimos nosso caminho. Pouco tempo depois, estávamos comendo a melhor pizza napolitana do mundo - não há como explicar, só indo e comendo, mas aquela pizza tem um sabor único, feito quando você ouve King Crimson ou lê Jack Kerouac - ou ainda mestre Ivan Lessa. Comemos, rimos, fofocamos, lamentamos a ausência dos amigos de mesa e no fundo, talvez bem no fundo, não vamos lá só para comer a melhor pizza do mundo, nem somente para lembrar de todos os ótimos garçons que nos atenderam lá por décadas a fio - todos se foram -, mas é que o Xuru morava no prédio ao lado do Caravelle e, inconscientemente, a gente carrega uma ridícula esperança que ele apareça rindo e sente à mesa. É impossível porque Xuru morreu há mais de dezoito anos, mas continua presente em nossas piadas, diálogos e sentimento. Mais cedo, no Centro, encontrei Pedro, que está conosco há quarenta anos e agora está perto do meu trabalho outra vez. Depois da melhor pizza do mundo, encaramos um sorvetinho e aí era inevitável lembrar do Solar dos Couceiro, onde nos conhecemos e vivemos grandes dias de nossas vidas. Só que tudo que é bom acaba rápido e perto das oito e meia nos mandamos porque tinha Fluminense na televisão. Nós não somos torcedores do Fluminense, mas sim peregrinos dele - o perseguimos desde sempre e provavelmente morreremos assim. Até a hora da conta falamos de muita coisa, de muita gente querida e de histórias excêntricas. Agradecemos aos garçons por tudo, Raul foi para um táxi, eu peguei um Uber e cheguei em casa quinze minutos depois, uns dez antes do jogo. O Fluminense só empatou, paciência. A Cler deve ter ficado revoltada. Cochilei um pouco depois do jogo, acordei, trabalhei um pouco, tomei uma Coca-Cola geladona em lata e agora estou aqui. Não tenho sono, tenho um monte de problemas e dores, tenho uma 45 apontada para mim, tenho esperança no novo dia que já se avizinha. Penso num novo livro, em ir ao CCBB, ao É Tudo Verdade. São três e meia da manhã e toca Nirvana numa chamada do Canal Bis. Tudo isso é apenas pano de fundo porque ainda estou hipnotizado por Copacabana, porque trinta anos depois ainda sinto saudades de Copacabana, de ficar de mãos dadas com a mulher amada perto da água na Figueiredo de Magalhães. Porque penso que até o fim dos anos 1980 a praia incrivelmente não era iluminada. Porque eu ainda lembro de Fred, Marco, Luiz Magno, Ricardinho, Gustavo e eu na mesa de carteado. Porque eu lembro da Claudia, e lembro das outras garotas que iam e vinham na casa do Fredão - ele também se foi cedo demais, assim como o Luiz. Tudo é Copacabana. São três e meia da manhã, o ventilador me refresca feito ar condicionado e alguma coisa me traz a aragem de Copacabana. Terra de meu amigo Luiz Carlos Lacerda, cineasta consagrado e aclamado. Terra do divertidíssimo DJ Zé Pedro - Crepúsculo de Cubatão, quem se lembra? Eu preciso dormir, mas Copacabana sussurra: "Espere um pouco mais, meu bem."
@p.r.andel
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