Translate

Saturday, April 27, 2024

Andando na Lua

[parecia que a gente pisava na Lua, só que ela era feita de areia

A gente era de Copacabana. Pobre. No máximo o dinheiro do lanche e do ônibus. Então descobrimos o Leblon. Só para olhar as coisas, as gentes nos bares badalados, as garotas. Tinha um Gordon lá também, Cazuza vivia ali. Noutra vez ele estava em pé no balcão do boteco, acho que na Ataulfo de Paiva mesmo. Ele cantava alto, talvez um blues, todo mundo ria. Era o Rio. 

Muita gente ia pro Leblon. Outras galeras iam pro Baixo Gávea, que tinha uma grande concentração da turma ligada ao heavy metal e o rock também. No fim da noite, os ônibus circulares ficavam lotados. Claro, todo mundo descia em Copacabana, o astro-rei. Gente das coberturas, dos apês da Atlântica e dos quitinetes. Não havia distinção. 

Inventamos um jeito de prorrogar a noite. Simplesmente dava duas ou três da manhã, todo mundo tinha arrumado sua vida, a gente ia pra Delfim Moreira e voltava a pé até a Figueiredo Magalhães. Pela praia, na areia, na beira-mar.

Parecia que a gente pisava na Lua, macia, feira de areia fofa e clarinha. Vínhamos devagar, para saborear o passeio em pleno Atlântico Sul. De ônibus era mais rápido, só que a gente no fundo queria ficar mais tempo juntos, naquela beleza de visual.

Silêncio, silêncio, nossos risos. Às vezes éramos cinco, oito, doze, somente a gente e mais ninguém. O barulho misterioso do mar sereno do Leblon e Ipanema. Gente mesmo só tinha no Arpoador, mas não íamos até lá. Era virar geralmente na Francisco Otaviano e navegar Copacabana. 

Ninguém namorava entre nós. Garotos e garotas de quinze e dezesseis anos, na flor da juventude. Flertes havia, namoro não. Tinham inventado o negócio de ficar, que era um sucesso da época, então namorar estava careta por um tempo. Ninguém assumido também, só muito mais tarde. 

Engraçado que em Copacabana a gente não ia muito pela areia. É que o calçadão e a calçada eram verdadeiros acontecimentos, laboratórios humanos, gente doida de todas as regiões, idades e sexualidades. Não precisava de muita grana mesmo, tínhamos um programa de auditório a céu aberto, fervendo da Alaska até pelo menos a Santa Clara. Três da manhã, a turma do Juventus ainda fazia resenha na esquina da Domingos Ferreira. Deixávamos as garotas uma a uma em casa, nos despedíamos na porta do Shopping dos Antiquários. 

Geralmente era a pré-manhãzinha de domingo. Os Globinhos já estavam na luta, preparando a tonelada de jornais para serem entregues a domicílio. Meu amigo Silvio, gente boa, trabalhou lá até ingressar no TI. Ele era muito legal, nunca mais nos vimos. 

Sem tiro nem facada, a gente era pobre mas andava feliz pela areia da Lua de Ipanema. Foram dezenas e dezenas de vezes, até que, tal como diria o poeta Renato Russo, viramos pássaro novo longe do ninho - daí, voamos. 

@p.r.andel

No comments: