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Friday, December 29, 2023

Billboard

Na última sexta-feira do ano, todo mundo fica naquele clima do Natal que já passou, do Réveillon que se aproxima e da espera pelo novo tempo. Eu estava bem: fiz um bom primeiro ano no colégio, o Fluminense foi campeão e tivemos grandes acampamentos escoteiros - em novembro mesmo tivemos uma ótima ida ao Forte Imbuhy. 

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Passeava pela noite de Copacabana e resolvi comer um hambúrguer com suco na lanchonete da Siqueira Campos com Barata Ribeiro. Lanchei rápido e antes de ir para casa resolvi esticar mais duas quadras, só pra ver a vitrine da Billboard. Era a referência de lojas de discos de Copacabana. Ficava ao lado da também consagrada Modern Sound.

Na vitrine, LPs dos Rolling Stones, Yes, The Police, Tom Waits, Van Halen e Kiss. Os Stones tinham lançado "Undercover of the night", cujo videoclip havia sido censurado no Reino Unido, se não me engano por conter a cena de assassinato de um policial da Scotland Yard. Já o Yes vinha com uma verdadeira novidade: um álbum pop, redefinindo o papel do grupo no cenário musical. Ficava para trás a raiz do velho rock progressivo, entrava em campo um pop rock feito com extrema qualidade. E o Kiss tinha vindo ao Brasil meses antes, lotando o Maracanã e causando furor na cidade. 

Eu olhava os discos que não tinha a menor condição de comprar. Da nossa turma, o único colecionador era o Fred, então era torcer para que o amigo pescasse algum daqueles. O Marco morava em frente à Modern Sound, no prédio do Costinha, mas também não comprava. Fred era nosso guia e DJ: valia o que ele botasse para tocar na vitrola Technics. 

Era o final de 1983. Como seria o ano seguinte? Mais rock, mais Flu e uma temporada muito rica. Quarenta anos depois, ainda se sente no ar um aroma de mistério e conquista. É o charme do mundo. O charme. 

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Nos anos 1980 a Modern Sound já tinha a fina flor dos discos importados e bootlegs. Vendedores como Luizão "Call me" e Amândio da Hora - também DJ ícone do Rio - eram verdadeiras enciclopédias de música. Tempos depois, a loja viveu uma expansão tão grande que simplesmente ocupou o vizinho Bruni Copacabana e se transformou num império da música. Shows com grandes artistas rolavam soltos na casa e, por muitos anos, ela foi a referência musical carioca, numa linhagem secular da cidade. 

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A vitrine da Billboard era menor, porém mais visceral e rocker. Porta e vitrine de vidro abarrotadas de LPs. Mexiam quase todos os dias. Você sempre via um artista diferente. 

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Uma banda brasileira, subestimada até hoje, saiu atropelando o mercado mas pouca gente se lembra. Os Fevers, egressos dos anos 1960 na Jovem Guarda e famosos por sua longa estrada nos bailes cariocas, gravaram uma série de discos nos anos 1970 e, nos 1980, experimentaram uma apoteose nacional com as trilhas sonoras das novelas Elas por Elas e Guerra dos Sexos, além da tradicional gravação de versões de sucessos estrangeiros, como "De, do, do, do, de, da, da, da" do The Police e "Rock and roll e mais", a clássica "Rock and roll all nite" do Kiss. 

Os Fevers tiverem cantores de alto nível como Almir Bezerra, Augusto César e Michael Sullivan, e hoje contam com Luís Cláudio na voz. Lotaram ginásios e fizeram história na música brasileira. Merecem - e muito - livros, documentários e outros registros. 

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E pensar que pouco tempo depois viria a explosão do Rock Brasil, o Rock in Rio, a cidade como ponto certo de artistas como Siouxsie and The Banshees, The Cure, James Taylor, Tears for Fears, Bob Dylan, Terence Trent D'arby, Nirvana, Red Hot Chilli Peppers e tantos outros. 

Não dava pra saber pela vitrine da Billboard. Mas que prometia e fazia sonhar, fazia. 

@p. r. andel

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