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Monday, July 31, 2023

De julho para agosto

Cai a tarde e a cidade namora seu próprio silêncio. É o fim de julho e quase todos estão duros, exceto a minoria de sempre. Logo, há menos carros deslizando, menos gente caminhando e, se você tiver mínima atenção, basta olhar pra cima e há um monte de cartazes "vende-se" e "aluga-se", ao mesmo tempo que muita gente é humilhada com despejos, em grande maioria sem a menor má fé, apenas sofrendo a pobreza que aí está. 

"Vende-se. Aluga-se. F0da-se você que não tem condições. Você não faz parte dos planos. Você, falido, fudid0, desempregado ou de baixa renda, é um estorvo para o progresso da nação. Você não consome, não gera empregos, não engorda receitas de bancos, qual é a tua razão de ser?" Por incrível que pareça, há gente que diz pensar assim. 

O fim de julho tem um silêncio de cemitério e não é em vão: foram-se ídolos, craques, amigos, pessoas famosas, anônimas, tudo porque a vida é assim e, para quem está sempre correndo mas longe do atletismo, não há tempo para lamentar. Se alguém morrer e você quiser ficar bem na fita, é só escrever um post emocionado, todos curtem e você faz a sua parte. Nós somos uma sociedade de migalhas: gostamos de oferecer aos outros o que detestaríamos que nos oferecessem, somos humanos e, por isso mesmo, cínicos. Podemos alegar a complexidade do ser humano como excelente desculpa. Fica tudo bem. Onde há hipocrisia, as piores escr0tidões alimentam sorrisos. 

Agora vem agosto. Nada muda. Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais, na brilhante sacada de Belchior. Nossa solidariedade nos dói por cinco segundos, mas não temos tempo a perder e o coach deixa tudo claro: "Vamos ser feliz" (sic). Já, já, os noticiários vão mostrar as novas vítimas de balas perdidas, as novas chacinas, as novas crueldades que nutrem likes e nada vai mudar porque nós, humanos, estamos muito ocupados e não há tempo para investir no próximo, apenas no lucro. 

A cidade cheia de lojas fechadas e famílias agonizando nas calçadas. Vende-se, aluga-se, "vamos ser feliz", uhuuu!, é a galera, é o ritmo, é o resto kissfoudasse e mais uhuuuuuu! 

A dois quilômetros de onde você lê estas palavras planejadamente desconexas, existe tortura, estupro, humilhação e morte, todas praticadas por bandidos amparados pelo Estado ou mesmo pertencentes ao seu quadro funcional. Ao seu lado vai ter um idiota falando atrocidades aprendidas nas faculdades WhatsApp - quem precisa de livros? -, e invariavelmente ele defenderá golpistas, milicianos e assassinos, tudo em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo que, exista ou não, nada tem a ver com essas barbaridades. 

O mais difícil do fim de julho nem é a péssima atualidade, mas sim saber que agosto vem aí. 

Mas você só fala de derrota, de tristeza e miséria? Não, não, eu estou falando da vida real, cheia de cicatrizes, varizes, rugas e nenhum Photoshop. O que eu estou falando é a língua da vida óbvia, não a da gentrificação, não a que trata o outro como caixas de papelão a serem movidas para não atrapalharem o caminho. Gente que gosta de juros altos para destruir o próximo.

Eu falo dos garotos e trabalhadores que, à essa hora, sonham com o fim do expediente para almoçarem biscoitos recheados baratos andando à rua, pois só tomaram café às cinco da manhã e andam feito zumbis da Lavradio até a Central, onde poderão ser amassados pela covardia da Supervia. E esses têm sorte porque ainda conseguem biscoitos. Depois, a matéria da TV fala que os brasileiros estão obesos, sugerindo de forma canalha que há um excesso de consumo de alimentos. O que há é fome, distribuída entre refeições desequilibradas e só.

É claro que precisamos buscar combustível em pequenas alegrias do dia a dia, senão ninguém aguenta. Muita gente já não está aguentando. Você nunca verá a notícia, mas muitas vezes quando um transporte de massa sob trilhos tem uma paralisação, é porque estão tirando o cadáver de alguém que não aguentou tanta humilhação - e isso acontece muitas vezes, muitas mesmo. 

Apesar de tudo, ainda temos muitos heróis. Eles estão carregando peso debaixo do sol, fugindo com suas mercadorias do choque de ordem, aguentando firme todas as privações que a vida livre liberal lhes oferece. Alguns, derrotados pela pobreza, tentam sobreviver mas desmaiam de cansaço e fome debaixo das marquises - não é incomum que, mesmo nas piores condições, cuidem de animais de estimação, enquanto volta e meia vemos vídeos com carros de luxo atirando animais de estimação à própria sorte em vias. Temos heróis e heroínas que recusam a vida criminosa que se impõe na porta de seus barracos - e às vezes pagam caro por isso. Temos outros, mas a maioria nem sabe. 

Julho acaba aqui, mas a vaidade, o egoísmo, a arrogância e a ruindade continuam firmes, opressores. O problema não está nos meses, mas nos homens. E, por mais que haja a lacração dos discursos nas redes sociais, a verdade é que muitas vezes as práticas são desprovidas de qualquer sentimento progressista. Não é uma novidade. Foi Napoleão Bonaparte que dizia "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço"?

Falta uma hora para os famintos lancharem seus biscoitos. É o fim de julho, mas poderia ser de um mês qualquer. O problema é que o Rio está matando muitos cariocas e, se antigamente era preciso dizer "O último a sair apague a luz do aeroporto", a nova ordem do genocídio da cidade afirma: "A janela é a porta principal".

Só me resta um pedaço de bolo de chocolate.

@pauloandel

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