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Friday, July 28, 2023

397

Uma das coisas mais humilhantes no Rio de Janeiro hoje é a questão do transporte público. Não existe dia em que os passageiros não sejam desrespeitados em algum dos serviços, quando não em todos. 

Quarta-feira, um caso chamou a atenção: em plena avenida Brasil, um motorista abandonou seu posto de trabalho da linha 397, embarcou em outro ônibus e deixou para trás não somente o veículo que conduzia, mas também dezenas de passageiros que se apertavam como sardinhas em lata. 

Informações dão conta que o motorista chegou ao limite do esgotamento, depois de ter sido xingado e ameaçado ostensivamente pelos passageiros do 397, porque vinha parando em todos os pontos com o veículo já lotado. 

É o retrato fiel do caos carioca. 

Desde o golpe de 2016, com a Lava Jato destruindo 2/3 dos empregos formais cariocas, o número de passageiros caiu drasticamente no principal transporte de massa, o trem. Some-se a isso o péssimo serviço da Supervia e as disputas políticas, então a capacidade de operação da companhia caiu em 50%, de 700 mil passageiros por dia para 350 mil aproximadamente.

O que faz a Supervia então? Reduz a circulação de trens, que ficam cada vez mais cheios. Algumas pessoas, cansadas da ruindade do serviço, voltaram para os ônibus. Mas como o desemprego era marcante, o que aconteceu? As empresas passaram a colocar menos ônibus em circulação nas linhas, especialmente aquelas que cruzam a cidade e têm como rivais as vans e motos da milícia...

Ou seja, o passageiro, trabalhador ou estudante, simplesmente não tinha para onde correr. 

Com a pandemia, o desastre foi completo. Até agora não houve recuperação e a explicação é óbvia: anos de desgoverno, sucateamento estadual e federal. O Rio se espatifou e, mesmo que agora tenha uma retomada do emprego, ainda está muito aquém dos níveis de dez ou oito anos atrás, em termos proporcionais. Consequentemente, continuamos a ter menos trens circulando do que precisamos e menos ônibus. Na hora do rush vira o caos. 

O motorista é obrigado a parar nos pontos, mesmo com o ônibus lotado. Se passar direto e for fiscalizado, rua. 

O passageiro que embarca do centro para a zona oeste é praticamente um animal de abate embarcado num caminhão.

Não é difícil imaginar as situações que a população passa diariamente no universo do transporte público. 

Por sua vez, a milícia segue cada vez mais ameaçadora, ocupando o território metropolitano do Rio e humilhando as pessoas. 

Perto do que se vê todo fim de tarde na hora do rush no Rio e seus arredores, a tensão num ônibus se limitar a palavrões e um motorista extenuado desistir do trabalho é quase um milagre. O sistema funciona para que as pessoas se agridam até a morte, numa selvageria absurda. É uma pena que centenas de milhares de pessoas, incluindo passageiros e motoristas, cumprem diariamente. 

Que crime cometeram? Terem nascido pobres. 

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