Saio da estação do metrô Siqueira Campos e, em trinta ou quarenta passos, depois de olhar a placa da rua Tenreiro Aranha - a vila, onde estudei e joguei bola entre 1978 e 1980 - e pensar no que já não existe, entro no Shopping dos Antiquários. Meu objetivo é fazer meia horinha até encontrar com Kátia, minha querida amiga que é um símbolo do bairro.
Passo pelos corredores, venho e volto. Do meu tempo de criança, 95% das lojas são outras, mas é incrível como o espírito de antigamente permanece ali. Tem algo vintage, kitsch e elegante ao mesmo tempo, como determina a liturgia de Copacabana. Não tem mais a loteria do Seu Carlos, com dezenas de escudinhos de times de futebol na parede, nem os Supermercados Leão - com ice cream soda na lanchonete -, nem o Bar Bole-Bole, o Abílio e nem o antológico Sniff's, mas o Casilhas segue lotado no corredor da Siqueira Campos, agora com mesinhas. Mais lotada ainda fica a Adega Pérola, do outro lado da rua.
Num dos corredores do shopping está rolando um vernissage. Umas trinta pessoas, comes e bebes, burburinho. Viva a arte, ali é um bom lugar.
Perto dele, está o fabuloso sebo L.O.Matta, fechado pelo horário. Tem uma grande quantidade de LPs e CDs interessantes, livros também, menos os de futebol - parece que ninguém liga para o tema. O Matta fica aos pés da escada rolante que leva ao Teatro Net, palco de grandes apresentações da MPB desde o tempo em que se chamava Teresa Raquel - bem perto dele, funcionava o estúdio do maestro Arthur Verocai, ícone da nossa arte. E a mesma escada rolante, que antigamente não funcionava, serviu para a subida de inúmeros grandes artistas brasileiros, de Gilberto Gil a Lennie Dale.
Voltando para a porta do Extra, sucessor dos Supermercados Leão. Bem em frente há dois quiosques. Um vende doces maravilhosos, bomba, quindim e o outro vende queijos, salames, frios. Delícias nem tão caras para quem tem um bom emprego, mas caras demais para 95% dos transeuntes - e ainda assim dão lucro, porque estão ali há tempos.
Dou meia volta e resolvo espiar a lateral de fora, com saída na rua Joseph Bloch. Quanta coisa legal da minha vida vem dali! O Leo e o Rubinho, a Cissa, a loja do pai do Cassiano - agora ela virou um bar lotado. Não tem mais o Teatro de Arena. Então vem a porta do estacionamento que fica no subsolo e penso que, apesar de ter morado ali por mais de dezesseis anos, raras vezes fui à garagem. Hum, e quando a Dona Célia me levava para lanchar cachorro quente no Aterro com o Adão, meu amigo e seu filho? Ela ligava o Fusca e a gente se sentia numa verdadeira viagem. O percurso do Shopping até o Flamengo é de poucos quilômetros, mas a vista da Enseada de Botafogo e do Pão de Açúcar é inebriante desde sempre, enlouquecedora. Esses lanches no Aterro têm 45 anos. Ah, o tempo.
Na esquina fica o Copa Star, onde as celebridades do Rio costumam se despedir. Parece um hotel de luxo. Grandes carros, sobrenomes estrangeiros e aí já passou o tempo de ir à casa de Kátia. Até o começo da Barata Ribeiro ainda terei muito tempo para abrir a cortina do passado, sonhando com meu tempo humilde que ficou para trás, mas que de alguma maneira resiste na memória.
No comments:
Post a Comment