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Monday, April 24, 2023

Seis da tarde

Avenida Chile, coração da cidade, seis da tarde é chegada a hora do rush e o sol já se pôs no outono. As pessoas deixam seus postos de trabalho e tomam o caminho de casa, ou de outros compromissos após o expediente, quase todas tão apressadas que sequer notam a belíssima paisagem composta pelo azulado nem tão claro do céu em contraste com a Catedral Metropolitana e o prédio da Petrobras, um marco da capital e também conhecido pela sigla “Edise” (de edifício-sede). A corrida para encontrar a pessoa amada em casa, rever os filhos, arrumar a casa, calcular as contas ou mesmo descansar depois de um dia de trabalho intenso – embora os trabalhadores comemorem, pois no atual cenário do Brasil, quem tem emprego, ainda que precário, possui motivos de sobra para felicidade – o Rio de Janeiro é um mar de desempregados por todos os lados, de quase todas as classes, cores  e crenças.

De toda forma, o desenho do céu entrecortado pelos dois edifícios merece atenção, ao mesmo tempo em que o formigueiro humano dispara pela parte alta da Avenida Chile, geralmente em direção à Avenida Rio Branco e mais especificamente ao acesso lateral do Metrô Carioca. 

Jovens garotas entre 20 e 35 anos, com saltos altos, roupas elegantes, maquiagem, cabelos louros ou com luzes, iPhones e outros dispositivos eletrônicos, música nos fones de ouvido. Andam em duplas, trios, às vezes quatro mulheres.

Homens da mesma faixa etária, geralmente com vestuário padrão: sapatos escuros, calças de cores neutras, camisas de botão azuladas ou marrons ou da cor bege, discretas, com mangas curtas ou compridas. Cabelos curtos, cavanhaques delineados (quando é o caso), iPhones, música nos fones de ouvido. Sempre em grupos, que podem ser pequenos (até quatro sujeitos) ou grandes (um bando). 

Naturalmente, há exceções: uma pequena parte da turma vai atrás do chope dourado da felicidade em locais próximos, como a boa e velha Cinelândia do Amarelinho e dos arredores do Teatro Rival, sempre movimentado com intensa programação, além de ter a diretora mais linda e talentosa da cidade, Leandra Leal. Agora, com certo sentimento de segurança local, provocado pela patrulha do Centro Presente, alguns ousam cortar o bairro a pé até a Praça XV, em busca do Arco do Teles. No entanto, é possível perceber que muita gente vai embora mesmo, o que se compreende por conta de tudo o que tem acontecido com a Cidade Maravilhosa, deveras impactada pelo caos da corrupção que, somada ao golpismo de outrora, ceifou boa parte da nossa economia, espalhando o desemprego e incrementando a violência (que nunca foi fácil antes, sejamos sinceros, porém piorou muito).

Um cheiro forte de pipoca doce atravessa o caminho dos pedestres apressados e alguns não resistem a um pacote. Sorte do pipoqueiro que ali exerce seu digno ofício, batalhando a sobrevivência. Ao lado, uma banca de balas e jornais, uma promoção de MM’s, as garotas ficam loucas com aquilo. Ainda há um tom doce no outono do coração do Rio. 


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