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Wednesday, February 09, 2022

o estrangeiro

Cai a noite no coração da melancólica Guanabara, que perdeu até suas papelarias tão encantadoras para o poeta Carlito Azevedo. 

A Leiteria Mineira quase sucumbiu mas resistiu, para a alegria do cineasta Luiz Carlos Lacerda. 

O Copacabana Palace abre suas portas para uma noite de latin jazz, bem perto do Beco das Garrafas, palco de histórias da arte. 

E eu escuto Albert Ayler, vejo Leandra Leal na TV em silêncio e penso nas derrotas do dia. 

Um garoto preto pobre preso com um pacote de mão e uma camisa do Flamengo. 

Um garoto triste e sofrido dormindo na estação Sete de Setembro do VLT. 

Olho para o WhatsApp e leio as falas cínicas de um homem de Deus.

Que ora, jejua, sobe montes e mente também. 

Troco Ayler por Prince e lamento sua morte tão precoce. 

Lendo Ruy Castro e Assunção, apoiando o embate. 

A linda baiana Emily há muito se foi da vizinhança. 

E Dona Marina está longe, bem longe em Paciência. 

Então revejo haicais do poeta Jocemar Barros e cartões postais de Ana Klein também. 

Onde está Keith Jarrett? Onde está Joe Jackson? Onde está Ben Harper? O mago Wayne Shorter se recolhe muito bem. 

Penso no pré-sal que roubaram do povo triste e usaram em bel prazer. 

Os hipócritas são felizes demais e não se importam com o mal que criam. 

Eu quero a baleia do Parque Peter Pan de volta ou pelo menos a minha prancha de isopor para turistas. 

Eu quero meus doze ou quinze anos de idade numa terra com bem menos ódio. 

Eu quero o fim das guerras, da escrotidão contemporânea. 

O maestro Gerald Thomas redime minhas tardes com seu contrabaixo arisco. 

E penso em gente amontoada debaixo de marquises vizinhas. 

Choro pela minha pátria mãe em prantos diante de tanta covardia. 

O poeta Allen Ginsberg ainda está vivo por sua obra tão devastadora. 

Deus não está desatento dos pastores covardes, nem pretende baixar na esquina. 

A TV num súbito encerra a série e pouco se tem a dizer de Leandra tão linda. 


@pauloandel

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