Sentado à mesa do velho bar da Cruz Vermelha um freguês chamado Mário. Sozinho no salão em tempos de pandemia, já com alguns tragos na cachola, dispara uma pérola interessante para o único interlocutor ali possível: ele mesmo.
[O garçom está atendendo outro freguês, numa mesa do lado de fora do botequim, pouco importando a irregularidade do fato e o sereno da primeira noite fria do outono
"Por que ninguém mais abrevia seus nomes?"
"Lembram do guitarrista G. E. Smith, que tocou nos tempos áureos com Daryl Hall & John Oates e até com Bob Dylan? Smith acompanhou Dylan na Apoteose em 1990? Não tenho certeza."
"Poemas alucinantes de e. e. cummings, tudo realmente minúsculo como a elegância pede, Edward Estlin Cummings, um dos pais da poesia moderna para o terror de críticos e poetas conservadores."
"Por que precisamos de nomes pomposos por extenso? Bora abreviar!"
Uma voz imaginária ganha o salão do veterano botequim:
- T. M. Stevens, lendário contrabaixista que já tocou com meio mundo americano, de Cindy Lauper a Joe Cocker! Fará 70 anos em breve.
[É inaceitável que Cindy já tenha 70 anos, assim como aquela gata do B52's cujo nome esqueci
E continua:
- J. G. de. Araújo Jorge, poeta lidíssimo, consagrado no Rio de Janeiro mas tendo a infância passada no Acre.
- O Acre é um mistério saboroso. De lá vieram Fernanda Takai, João Donato, Mitya Ghidini e outros.
- Ainda sobre abreviações, não se esqueça do obscuro escritor e poeta p. r. andel, minúsculo também como e. e. cummings.
Mário vê a solidão no salão do botequim por todos os lados, ri para não chorar, espera o garçom que não volta para um último trago e faz nova reflexão: "Tínhamos o J. Silvestre, o J. Jr. está por aí numa boa, mas é possível pensar que a decadência da abreviação de nomes no Brasil seja simbolizada por R. R. Soares."
[Amanhã é uma sexta-feira fria do meio de maio, sem grandes expectativas e com um enorme passado pela frente
"Garçom, a conta por favor."
[Este bar está cheio de ninguém
@pauloandel
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