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Tuesday, April 08, 2014

romance proibido


COMBINAMOS um pacífico chope no Paladino, com seu mar de histórias e um século de sorrisos. Depois de um pequeno contratempo, comecei a caminhada para cruzar o coração da cidade por volta das seis da tarde.

Descer a rua do Senado e perceber que o verão disse adeus: o céu escuro, a rua vazia e nos poucos rostos disponíveis, procurei meu irmão em vão. Uma tristeza enorme que persistiu mesmo com a beleza das luzes no hotel moderno da Praça Tiradentes - as ruas cheias de carros, barulhos, gente impaciente e cansada, tudo em nome dos tempos modernos.

Tomei a Sete de Setembro, comprei três discos no sebo, ainda o Zeca Baleiro nas Lojas Americanas, já cheia de ovos de Páscoa no teto falso e isso de alguma forma rasga meu peito sofrido e o coração inchado porque penso na alegria de minha mãe, felicidade viva com uma lembrança de criança.

Depois espiar a rua Uruguaiana com os carros e seus motoristas nervosos, tentando voar onde se deveria andar até o encontro com a Presidente Vargas e suas grades nas calçadas, uma vez que o governo entende o adestramento como única saída para lidar com seus passageiros rebeldes. Duas garotas bonitas na porta do McDonald's, não mais do que um belo recado no correio do telefone.

A cidade e a beleza de seu caos ornamentado por cones de cor laranja. Logo depois, jovens executivos animadíssimos com a escada vermelha e os balões da porta do puteiro - e o sexo que preencha o rancor, o tesão que tape o sol da solidão com uma peneira - da vida não se leva nada.

NELSON está sentado à mesa e chego quase ao mesmo tempo que Tiba. Chopes dourados e ainda não tenho felicidade. Rimos assim mesmo. E falamos mal de todo mando: dos amigos, inimigos, mulheres desclassificadas, o Estado que não regenera, do futebol, da direita e de nós mesmos, ingênuos em sonhar por um mundo melhor.

Desde a entrada, percebo um jovem casal no canto do bar, direção noroeste da nossa mesa. Um clima de romance proibido: a mulher, casada e com aliança à vista; o rapaz, não. Ela, tímida, nem bonita mas interessante com seu jeito de repelir o pretendente: ora sorria, ora mexia nos cabelos bem-tratados, ora deixava o conquistador tocar-lhe a mão direita. Não pude deixar de sacanear Tiba, por conta de ter condenado certo romance meu de muito tempo justamente naquelas bases. Catalano, já à mesa, entre reflexões, obsessões e boas fotos.

Enquanto nos empanturrávamos com omeletes, sanduíches e chope, Trino chegou e aumentou o número de gargalhadas por segundo. Agora somos tão velhos e jovens. A mesa nos reconduz ao fantástico mundo dos tempos de faculdade que nunca voltará, até por jamais ter ido realmente embora de fato. Mulheres, ex-mulheres, amigos chatos, amigos mergulhados no porão das religiões, eu e Bola contando com a força de nosso pai Inri Cristo. Trabalho, dinheiro, falta de dinheiro e um mundo repleto de editores da história, da verdade absoluta e de outras bobagens descartáveis.

Sinal de alerta a noroeste: num súbito, o conquistador puxou a companheira e conseguiu o beijo que, se nasceu tímido, logo perdeu qualquer pudor e sugeria que ali tinha nascido um vigoroso romance proibido. Sabe-se lá porque, torci por aquilo: ainda somos todos bobos românticos esperando um beijo de amor - o amor só existe porque desacontece - o amor precisa da contradição e do desencontro. E não é que paramos nosso mar de risos pra falarmos coisas sérias de amor e desamor? Talvez em 2014 um beijo apaixonado e proibido ainda seja mais poderoso do que uma vida sem sentido em filas, engarrafamentos, vagões abarrotados e limite de cheque especial.

Apressado, o casal logo fechou sua conta. Saíram discretos do Paladino. Talvez tenham ido confirmar o amor, o tesão, a vontade, os desejos reprimidos com os quais nem todos sabem lidar. Ainda demos mais gargalhadas, até mesmo quando veio a caríssima conta. Os dois saíram discretos mas felizes. Não cabe julgamento: ninguém sabe exatamente o que ali era o enganar alguém.

Deu tempo para um abraço da turma e a despedida do até breve. Voltei com Tiba de carona no carro de Trino. Logo chegamos à Gomes Freire, meio Souza Lima com seus travestis em riste. Dois minutos depois, cumprimentei os amigos, caminhei pela Cruz Vermelha, não vi meu irmão em nenhum dos rostos solitários da região. Cheguei ao prédio, subi, entrei em casa, banho tomado, falei com Marina e agora o teto branco e frio é meu interlocutor e eu, o viajante solitário. Que fim levou aquele casal? A única coisa importante no homem é a contradição, conforme Enrico Bianco. Qusndo o amor não vence, seja ele qual for, o vazio da alma é o cúmulo da certeza.

A vida sem romance é um equívoco. O belo romance que não foi sorvido, uma guerra nuclear. Queremos mais. Fogos de artifício explodindo e colorindo a beleza à beira do cais. 

@pauloandel

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