Acabei de CHEGAR em minha humilde e confortável casa na Cruz Vermelha. Escapei de uma chuva enorme. Hoje era dia de doação de comida para moradores de rua em frente ao meu prédio. Quando a água apertou, o pessoal correu para debaixo da marquise - era a única alternativa. O porteiro tentou fazer uma piada sem graça: "Os mendigos vão fazer manifestação?" - nem todo humano faz jus à definição de bípede.
LEMBRO bem da primeira vez que fiquei triste por causa de alguém que sofria nas ruas.
Era uma noite de 1974 na avenida de Copacabana, bem em frente ao Cinema Metro, cujo ar condicionado gelava a calçada do outro lado da rua quando as portas de saída eram abertas.
Minha jovem e linda mãe me puxava pela mão direita quando saíamos do cinema. À porta, uma senhora pedia esmolas com uma garotinha que devia ter o meu tamanho ou menos. A mãe abriu a carteira, ainda éramos uma família com posses. Deu algumas notas, apertou a mão da senhora, fomos embora e pegamos um táxi.
Foi a primeira vez que vi minha mãe chorar. Ela estava muito triste com o sofrimento da senhora. Anos depois, a mãe me contou que, em seus primeiros dias no Rio, desesperada em busca de um emprego para ajudar meu avô no Paraná, chegou a dormir alguns dias na rua e até numa garagem até conseguir emprego numa casa de família.
Já em casa, Santa Clara 345, minha mãe ainda tinha o rosto avermelhado pelo choro. Eu entendi que uma pessoa sofrer na rua, desamparada, é triste e inaceitável - ao menos para quem tem o mínimo amor ao próximo.
Agora, tantos anos depois, quarenta, as pessoas continuam sofrendo na rua, fico tão triste como minha mãe me ensinou um dia e, a cada dia que passa, penso em como somos uma sociedade imbecil e inconsequente porque damos de ombros a quem sofre na rua. São vagabundos. Por que não trabalham? Falam tanto de Deus, de religião, de corrupção e ninguém enxerga uma mão estendida pedindo um pedaço de pão.
Um orgulho enorme em rever minha mãe apertando a mão da senhora mendiga. Uma dor enorme em cogitar saber do que aconteceu com a garotinha.
Somos estúpidos demais.
@pauloandel
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