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Saturday, August 03, 2013

Dois escritores

Maria Thereza é escritora e mora num confortabilíssimo apartamento num dos últimos prédios do Leme. Aos trinta e cinco anos de idade, casou-se com um abonado empresário vinte anos mais velho. Tem uma vida de enorme conforto material, dois belos filhos, viagens frequentes para a Europa, jantares em bons restaurantes mais todos os mimos que a força da grana ergue pelo mundo afora. Por isso e outras coisas dedicou-se à literatura, da qual não depende para qualquer conforto de conta corrente.

A primeira sexta-feira de agosto, por volta de onze da noite e Maria Thereza aproveita a bela paisagem da praia de Copacabana em seu canto mais charmoso e discreto. O marido está recolhido: pode ter adormecido ou mesmo estar mergulhado em um livro qualquer onde se ensine táticas para ser rico, bem-sucedido e poderoso – parte da literatura a qual ela abomina, embora não admita publicamente. As crianças foram para uma festinha. Bebel, a empregada, está de folga. Uma noite bela e fria, que sugere amores, desejo, palavras doces, carinhos provocantes, uma noite do Leme. Ao fundo, o horizonte em preto brilhante que oferece sonhos e até mesmo pequenos delírios de carne e espírito. Então vem o inesperado.

Metros à frente, perto de um quiosque, tomando o caminho dos pescadores, um senhor caminha de mãos dadas com uma jovem que poderia ser sua filha, exceto se os eventuais beijos ardentes não denunciassem o teor da relação – devem ser ao menos namorados. Maria Thereza espia, estranha, contrai a vista e, num súbito, não tem mais dúvidas: o senhor gordo, de camiseta preta e chinelos descompromissados, acompanhado da jovem mulher em mãos a caminho do Leme é um velho conhecido seu, não se veem há anos. Trata-se do também escritor João Ribeira, já publicado e com alguma aceitação no mercado. Ela, tão rica e bem-sucedida. Ele, com trajes humílimos de escritor falido que se tornam seu charme kitsch.

Um segundo e Maria Thereza faz da sua enorme varanda o mundo.

E pensa em amor. Em tesão. Prazer. Vontade. Vira a cabeça, fita a sala imponente do grande apartamento do Leme e percebe ali o imenso vazio que a sofisticada mobília, os quadros caros e a prataria imponente não conseguem preencher. O dinheiro não é capaz de afagar a solidão humana na primeira sexta-feira de um agosto qualquer. Volta seus olhares para o Leme. João está perto da barraquinha de cerveja, sentado com a garota em seu colo e parecendo dez ou quinze anos mais novo do que os quase cinquenta que possui. O casal se beija e ri, como se Otto ali cantasse: “O que ela gosta é de fumar e beijar seu noivo de tarde na praia”. O Leme é um silêncio de fim de noite, mas nada se compara ao verdadeiro féretro da alma que se agiganta no grande e confortável apartamento no fim do quase-bairro. “Não existe amor no RJ” é uma sentença improvável. A garota tem pouco mais de vinte anos, Maria Thereza percebe isso em seu belo par de óculos que agora ajuda a esconder de si mesma alguma lágrima de tristeza. Mas o que a abala com tanto conforto e realização, uma bela família, a saúde em dia e uma ótima conta corrente? Amor. Amor. Isso tudo lhe parece um bom tema para uma crônica ou conto, quem sabe um poema.

Ela passa a observar o casal namorando no banco como se fosse uma obsessão de novela global. Quer saber o que acontecerá em diante, mesmo que pareça tão óbvio. O escritor e a garota não param de se roçar na praia quase vazia. Ao longe, mas nem tão longe, os olhos de águia da escritora são pedras fixas, mas atordoadas: tudo parece dizer que ela queria estar no lugar da garota – afinal, ainda é jovem, bela, faz sucesso em outros olhares, exceto os de um empresário bem-sucedido na primeira sexta-feira de agosto, mais interessado em ler, ver besteiras ou simplesmente dormir. Ou ainda um analgésico contra o tédio de um casamento que talvez não tenha tanto sentido assim.

A lágrima vira realidade. A jovem senhora, ainda com tanto pelo caminho em termos de felicidades efêmeras, perde uma linda sexta-feira fria. Mais uma.

O casal namora e parece estar em vias de providências para a volta ao lar, efêmero ou não. O mar do Leme sente canções que roem feito mistério e Cacaso, numa outra estação sorri.

Maria Thereza chora de vez. Velhos conhecidos que não se viam há anos, agora juntos num cenário tão improvável.

Ela foi namorada de João nos tempos de faculdade.

A primeira sexta-feira de agosto é um moinho.

@pauloandel

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