Translate

Wednesday, April 10, 2013

Grande mesa de bar


Certa noite da semana passada, resolvemos torrar toda nossa grana num botequim confortável, um bar da Cruz Vermelha. Eu e meus velhos amigos dos tempos de faculdade. Tem sido assim nos últimos vinte e cinco anos, salvo um ou outro intervalo.

Tudo começou quando demos às costas para as aulas preferidas dos enfadonhos no Instituto de Matemática. Havia um grande hall no centro do prédio e invariavelmente ficávamos por lá, ora falando besteiras, ora debatendo, ora aprendendo uns com os outros. Para alguns o que nos trouxe até aqui juntos foi o carisma, algo sempre difícil de definir. Prefiro dizer que foi nosso excelente bom-humor, associado às pluralidades decorrentes de cada um morar num canto do Rio de Janeiro, o que valeu para música, livros, esportes, política e outros temas. Eu era um garoto e vivíamos a efervescência da primeira eleição presidencial depois da ditadura cívico-militar. O país rugia. Graças à minha querida Ana Klein, assisti um grande pronunciamento de Luiz Carlos Prestes num auditório da UERJ.

Faltou dizer das garotas. Acho que éramos engraçados. Talvez muito engraçados. Digo isso porque alguns sujeitos resmungavam quando nos viam e as garotas sentavam-se ao nosso lado com incrível facilidade. Uma vez que nenhum de nós era um gallant (mesmo que algumas garotas e rapazes dissessem que sim), quero crer que foi por conta do humor. Elas gostavam muito e talvez gostem até hoje, não sei dizer. Outras, mais jovens, gostam também, acho. 

Brincávamos de ser os Doobie Brothers. Uma banda de rock enorme, cheia de gente e diversidades, com indas e vindas, nenhuma ausência definitiva. Alexandre gostava de canções bregas. Nelson, de samba clássico. Sergio, de metal. Gerson, pop. Bola e eu, de tudo (estava mergulhado no começo do jazz). Max, não sei ao certo. Catalano, canções esquisitas. E foi o mesmo Catalano que, certo dia, antes de jogar cartas com Valéria, Ana Paula e a espetacular “Carla “Coelhinha” viu os garotos de esquerda ao lado das meninas bonitas e gritou: - Seus merdaaaaas! Saiam disso aí e venham ajudar o centro acadêmico. Relutei num momento porque tinha acabado de deixar o escotismo num momento de muita mágoa e tinha prometido a mim mesmo: nunca mais iria voltar a movimentos voluntários. Mas o que vale o “para sempre” de um garoto de vinte anos? Nada. É possível que Catalano nos detestasse porque éramos de esquerda, mas imediatamente ficamos amigos para sempre. Até hoje quando ele conhece alguém, diz que é um merdaaaaaa e depois o admira profundamente. Gosto disso.

Ficamos muito populares na faculdade por besteira: fazíamos coisas tão ridículas naturalmente que todos riam e os recalcados diziam que queríamos aparecer (não havia internet ainda). A pior delas foi usar nossos conhecimentos de estatística para promovermos pesquisas de opinião na faculdade sobre quem eram os caras mais chatos e as gatinhas prediletas, com direito a título e badalação. Virou uma bomba e, do dia para a noite, todos nos conheciam: não podíamos sequer beijar uma mulher feia numa festa escura que, no dia seguinte, todos descobriam – exceto Bola e Max, sempre muito reservados (eu também sou mas, modéstia à parte, sempre fui um sortudo nisso – não sei dizer por que, mas as mulheres bonitas gostam de mim). Precisávamos de um nome, Alexandre cunhou: CECRIME (Central de Concursos Ridículos do Instituto de Matemática e Estatística da UERJ). Virou marca. Passávamos por um andar do prédio, alguém dizia “Oh, lá vai a CECRIME”. Depois adentramos o movimento estudantil, veio o tempo de estágio, você começa a trabalhar, as coisas ficam mais sérias, outras nem tanto. Foram anos muito felizes para mim entre 1988 e 1993. Eram as festas, os shows, as aulas divertidas, os pequenos passatempos, a descoberta de um mundo novo, viagens, tudo sem muito tempo para descanso e sono. Começamos com cinco ou seis pessoas, a coisa ficou séria quando colocamos duzentas pessoas para irem num churrasco em Itatiaia, ida e volta no mesmo dia. Se alguém ficou com a namorada de alguém, não foi de propósito – anos de impulsos em vez de prudência. Eu não tinha um tostão mas tinha toda a felicidade do mundo chamada futuro. 

Um belo dia, vem uma derrota na alma. Você percebe que nada é eterno e que a faculdade simplesmente acabou para nunca mais voltar. É hora de ser um profissional respeitável e se adequar às normas para sempre. Dei tchau ao professor Amâncio, olhei para o hall, nenhuma das minhas garotas bonitas, nenhum dos meus irmãos, desci as rampas e só voltei ao prédio uns doze anos depois. Os garotos de hoje estão escrevendo suas histórias por lá também.

Enquanto isso, temos nos refugiado nos bares, nos meios virtuais, nos telefonemas e, com algum êxito, a velha chama de metade de meio século está muito acesa. Foi assim no Vieira, o bar da Cruz Vermelha. Josimar (que se chama Ricardo, não gosta do apelido e jamais o perderá) chegou cedo. Rimos. Catalano apareceu, rimos também. Ninguém esperava por Trino, foi uma surpresa ótima. Tiba anda cada vez mais sério e também gosto disso. Ficamos uma hora, duas, conversas bobas e outras profundas, sinto felicidade em reconstruir num momento aqueles dias incríveis que passamos todos juntos quando éramos jovens cheios de futuro. Alguém casou e descasou, alguém foi feliz para sempre, eu sofro por um amor inútil e parece que outras mulheres sentem o cheiro disso. Nelson é difícil. Bola é difícil. Max é difícil. Somos adultos quando pedimos um táxi para irmos para casa. Assim foi.

A vida segue enquanto brindamos nossos copos, vemos o quanto é legal ter uma mesa de amigos num bar, sabemos não ter mais todo o tempo do mundo, também sabemos que a estrada está muito longe do fim, sabemos o quanto estes momentos são importantes para cada um de nós. E, se a estrada não estiver longe por algum acidente, chegou a hora de viver dez anos a mil, de amar e fraternizar cada segundo porque a vida não espera, ela tem data de validade numa granada sem pino – qual o dia? – e não temos tempo a perder – ficamos amigos porque o que nos move é contrariar convenções. As histórias do passado são fascinantes e definitivas, mas o mais legal é escrever as histórias do hoje, do agora e do daqui a pouco.

As mesas estão cheias de amigos.

@pauloandel

2 comments:

Max said...

amá-los é muito fácil, o amor dos irmãos, e essa família foi constituída com o mais puro dos amores: o juvenil ... e como não poderia ser diferente, após mais de duas décadas você habilmente nos precipita os olhos com suas palavras. As mesmas que sempre magnetizaram as gatinhas ... :-) ... e Max amava Jazz, Bossa, mas consumia o Funk , de sua escatológica e inominada Sulacap ... Salve, Jorge!

Claudia Daflon Coelho said...

:D