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Monday, April 22, 2013

Copacabana gris


TENHO VOLTADO muitas e muitas vezes a Copacabana, como se jamais tivesse deixado de ser morador do bairro, acontecido há vinte anos. É o que fiz há pouco, antes de escrever isso.

Muitos a chamam de “Princesinha do Mar”, justa lembrança do compositor Braguinha. Outros a veem como o paraíso perdido da luxúria e do underground.

Para mim é tão-somente a velha Copacabana, com suas esquinas de galeras, garotas bonitas, Eliane com seu sorriso indestrutível na Siqueira Campos, grupo de escoteiros, futebol na praia, futebol no Corpo de Bombeiros, mendigos conhecidos, pivetes, putas, travestis, generais e tudo o que uma fauna urbana tenha de melhor. Lanches no Bolonha, noites no Gordon, decotes entusiasmados na Bolero, peep show na Maiami, carteado na casa de Buja, campeonatos de botão no Luizinho, debates sem sentido no Sniff, amasso no Arpoador, filmes no Condor. Mesmo que muito disso já esteja morto há muito tempo, vive em meu coração.

AGORA escrevo depois de ter caminhado por suas areias, visto sua deliciosa decadência que se mistura com vanguarda. Narcisa pode descer linda de seu prédio e subitamente dizer um palavrão, para risos do porteiro. Clóvis Bornay não está mais na esquina do Coruja Bar da Prado Júnior. Jane Di Castro persiste no prédio da Copacabana. Onde estará o Dr. César Bordallo, dentista da minha amada mãe? Onde estará a dra. Lilly Lages, agora tão longe do edifício Igrejinha? E quando eu e Bola tomamos um porre homérico e agarrei Cássia Eller? E quando Tatyana ficou enlouquecida porque fechou os olhos para um beijo e declinei por vingança em pleno banco da praia às duas da tarde perto da Sá Ferreira? Ou Xuru pegando onda com sua prancha de isopor para depois Orlando Fantoni e Paulo Amaral nos pagarem um picolé? Kátia, linda e gigantesca para o meu metro e meio desfilando na Figueiredo Magalhães? A jovem putinha loura que patolou Marco em frente ao Bruni Copacabana e saiu sorrindo como nunca? Eu, Fred e Ricardinho correndo feito loucos alucinados depois de termos derrubado o travessão do Juva – nós, não: o Rico é que se jogou no travessão.

Tenho voltado a Copacabana, PISADO em sua areia que hoje é um tanto diferente, faz um barulho diferente de antes, Patricia já não me sorri mais à rua, nunca mais andei de mãos dadas com Ana Klein e assustei-a encontrando meu amigo Mussum -que parecia recém-saído de um confronto entre traficantes e policiais quando, na verdade, era apenas de uma super-rodada de chopes.

Agora o céu é gris, um feriado enrustido, as ruas sem gente, a praia bela como sempre, com suas novas garotas a sorrir e encantar. Agora não sou mais um menino tão pobre, de modo que posso economizar meus trocados e beber um chope à beira-mar, olhando para a paz do Atlântico Sul e seu infinito que jamais descobrirei. Céu em gris, cinza de outono, crianças brincam na praça do Leme, idosos movimentam-se nas máquinas de exercícios, eu fito o tempo e lembro quando meu pai indicou, com pesar, que ali havia uma estátua de Castelo Branco – quando virei comunista, entendi então do que se tratava. Um dia cinza de outono e alguém vai morrer no hospital São Lucas, casais vão se encontrar pela primeira vez na Fiorentina ou no Mondego – que tal algum bar menos conhecido? Dois velhinhos efeminados conversam animadamente numa banca da Ronald de Carvalho, Alvaro Doria elabora alguma pão-duragem em seu apartamento da rua Tonelero(s), onde estará Anna Paula? E Patricia Cardim? Agora Romano faz sua arte mágica longe das ruas de Copacabana. Meu mundo deserto e meu voo livre no Centro Comercial, na Musicale, nas ruas menos apinhadas, nas entranhas do bairro. Nunca mais brigaremos na casa de Ricardinho por causa de Atari, nunca mais veremos Conceição, a empregada, gostosíssima e o patrão dando em cima de forma completamente adolescente. Nunca mais ouviremos discos à máxima altura na casa de Fred, enquanto ele admirava os olhos de ágata de Claudia e pensávamos num lanche com pão francês fresco e pasta Allouette.

Em Copacabana nenhuma pessoa sabe mais meu passado, presente, quem sou e isso não tem a menor importância. Contudo, ao trafegar por suas ruas, eu sou uma gota de sangue em suas veias de asfalto. Aqui, me sinto em casa como em nenhum outro lugar. Caso exista vida após a vida, gostaria de ser um Fantasma, um espírito-que-anda pelas ruas secretas, cafonas e maravilhosas de Copacabana. Procurar por Mr. Eter, Kung-Fu Gay, Ramiro, Lina e seus outros reis das ruas, mendigos admiráveis. Ver Eliane sorrindo na volta da escola. Jogo de bola na vila da rua Tenreiro Aranha. Hamburger do Sumol. Esfiha no Baalbeck da Galeria Menescal com o árabe original.

Copacabana gris com réstias de sol por entre as densas nuvens. Retrato em branco e preto e algum arco-íris por perto. Passado e presente de corpos colados, lábios que se roçam e algum amor perdido. Meio-dia, meia vida inteira.

Tudo parece tão perto que devo estar entorpecido.

@pauloandel

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