TENHO VOLTADO muitas e muitas
vezes a Copacabana, como se jamais tivesse deixado de ser morador do
bairro, acontecido há vinte anos. É o que fiz há pouco, antes de
escrever isso.
Muitos a chamam de
“Princesinha do Mar”, justa lembrança do compositor Braguinha.
Outros a veem como o paraíso perdido da luxúria e do underground.
Para
mim é tão-somente a velha Copacabana, com suas esquinas de galeras,
garotas bonitas, Eliane com seu sorriso indestrutível na Siqueira
Campos, grupo de escoteiros, futebol na praia, futebol no Corpo de
Bombeiros, mendigos conhecidos, pivetes, putas, travestis, generais e
tudo o que uma fauna urbana tenha de melhor. Lanches no Bolonha,
noites no Gordon, decotes entusiasmados na Bolero, peep show na
Maiami, carteado na casa de Buja, campeonatos de botão no Luizinho,
debates sem sentido no Sniff, amasso no Arpoador, filmes no Condor.
Mesmo que muito disso já esteja morto há muito tempo, vive em meu
coração.
AGORA
escrevo depois de ter caminhado por suas areias, visto sua deliciosa
decadência que se mistura com vanguarda. Narcisa pode descer linda
de seu prédio e subitamente dizer um palavrão, para risos do
porteiro. Clóvis Bornay não está mais na esquina do Coruja Bar da
Prado Júnior. Jane Di Castro persiste no prédio da Copacabana. Onde
estará o Dr. César Bordallo, dentista da minha amada mãe? Onde
estará a dra. Lilly Lages, agora tão longe do edifício Igrejinha?
E quando eu e Bola tomamos um porre homérico e agarrei Cássia
Eller? E quando Tatyana ficou enlouquecida porque fechou os olhos
para um beijo e declinei por vingança em pleno banco da praia às
duas da tarde perto da Sá Ferreira? Ou Xuru pegando onda com sua
prancha de isopor para depois Orlando Fantoni e Paulo Amaral nos
pagarem um picolé? Kátia, linda e gigantesca para o meu metro e
meio desfilando na Figueiredo Magalhães? A jovem putinha loura que
patolou Marco em frente ao Bruni Copacabana e saiu sorrindo como
nunca? Eu, Fred e Ricardinho correndo feito loucos alucinados depois
de termos derrubado o travessão do Juva – nós, não: o Rico é
que se jogou no travessão.
Tenho
voltado a Copacabana, PISADO em sua areia que hoje é um tanto
diferente, faz um barulho diferente de antes, Patricia já não me
sorri mais à rua, nunca mais andei de mãos dadas com Ana Klein e
assustei-a encontrando meu amigo Mussum -que parecia recém-saído
de um confronto entre traficantes e policiais quando, na verdade, era
apenas de uma super-rodada de chopes.
Agora
o céu é gris, um feriado enrustido, as ruas sem gente, a praia bela
como sempre, com suas novas garotas a sorrir e encantar. Agora não
sou mais um menino tão pobre, de modo que posso economizar meus
trocados e beber um chope à beira-mar, olhando para a paz do
Atlântico Sul e seu infinito que jamais descobrirei. Céu em gris,
cinza de outono, crianças brincam na praça do Leme, idosos
movimentam-se nas máquinas de exercícios, eu fito o tempo e lembro
quando meu pai indicou, com pesar, que ali havia uma estátua de
Castelo Branco – quando virei comunista, entendi então do que se
tratava. Um dia cinza de outono e alguém vai morrer no hospital São
Lucas, casais vão se encontrar pela primeira vez na Fiorentina ou no
Mondego – que tal algum bar menos conhecido? Dois velhinhos
efeminados conversam animadamente numa banca da Ronald de Carvalho,
Alvaro Doria elabora alguma pão-duragem em seu apartamento da rua
Tonelero(s), onde estará Anna Paula? E Patricia Cardim? Agora Romano
faz sua arte mágica longe das ruas de Copacabana. Meu mundo deserto
e meu voo livre no Centro Comercial, na Musicale, nas ruas menos
apinhadas, nas entranhas do bairro. Nunca mais brigaremos na casa de
Ricardinho por causa de Atari, nunca mais veremos Conceição, a
empregada, gostosíssima e o patrão dando em cima de forma
completamente adolescente. Nunca mais ouviremos discos à máxima
altura na casa de Fred, enquanto ele admirava os olhos de ágata de
Claudia e pensávamos num lanche com pão francês fresco e pasta
Allouette.
Em
Copacabana nenhuma pessoa sabe mais meu passado, presente, quem sou e
isso não tem a menor importância. Contudo, ao trafegar por suas
ruas, eu sou uma gota de sangue em suas veias de asfalto. Aqui, me
sinto em casa como em nenhum outro lugar. Caso exista vida após a
vida, gostaria de ser um Fantasma, um espírito-que-anda pelas ruas
secretas, cafonas e maravilhosas de Copacabana. Procurar por Mr.
Eter, Kung-Fu Gay, Ramiro, Lina e seus outros reis das ruas, mendigos
admiráveis. Ver Eliane sorrindo na volta da escola. Jogo de bola na
vila da rua Tenreiro Aranha. Hamburger do Sumol. Esfiha no Baalbeck
da Galeria Menescal com o árabe original.
Copacabana
gris com réstias de sol por entre as densas nuvens. Retrato em
branco e preto e algum arco-íris por perto. Passado e presente de
corpos colados, lábios que se roçam e algum amor perdido. Meio-dia,
meia vida inteira.
Tudo
parece tão perto que devo estar entorpecido.
@pauloandel
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