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Saturday, July 07, 2012

Pequenos fragmentos de uma paixão inútil



Pequenos fragmentos de uma paixão inútil


Quando estava sozinho naquele quarto de hotel semana passada e surgiu uma garota de ocasião, pensei em você. Ontem, trocando beijos inúteis com outra mulher, cobicei você. Tem sido assim nos últimos anos, desde que reparei em seu olhar algo de naja e isso me encantou, o encanto de cobra verde que Glauber Rocha mencionou certa vez. Achei que fosse apenas desejo, tesão, admiração física, achar você linda e atraente, linda e sexy, linda e adorável. Mal trocamos palavras, sequer viajamos, não nos beijamos, não oferecemos carícias um ao outro num cinema em dia de filme chato. Estamos longe, moramos longe, nossas vidas não se cruzam, não sei de nossa afinidade. Mas eu penso em você. Incomoda-me saber que talvez não esteja feliz dentre os lençóis em certa noite com algum companheiro – queria estar a seu lado, nem que fosse somente para apagar a luz e ver as estrelas imaginárias do teto de concreto num quarto qualquer. Estamos longe, muito longe, mas o fato é que, sem maior motivo, tenho pensado sempre em você. Era e é querer o teu gosto, teu sexo, tua mão esquerda entrelaçada à minha, mesmo que fizéssemos quase nada numa lateral do Central Park ou num restaurante em Guaratiba. Podia ser um simples passeio pela rua Halfeld em Juiz de Fora, podia ser uma exibição de balé contemporâneo no João Caetano da Praça Tiradentes. Podia ser também um café no CCBB um uma leve caminhada pelas ruas mais discretas do Leme. São fragmentos de uma paixão inútil: você não pensa em mim, não me cobiça, não se interessa pelo que eu faço e não há a menor possibilidade de que esse quadro se altere por ora. Pensei que quando chegasse à idade madura, estaria livre destes percalços da paixão: a coisa de pensar a cada instante, de querer a todo custo, a intranqüilidade saudável da adolescência rediviva. Tudo em vão. Não há eco. Não há retorno. Agora você dorme noutro quarto, outro cavalheiro tem acesso às delícias do teu corpo, a tua boca mora longe de mim. Agora eu fico insone noutro quarto, vasculho seios e coxas e intimidades de mulheres para tentar encontrar você e não consigo. Tudo parece sem sentido. Por que me deixei cair em tal armadilha, logo que eu já passei por tantos caminhos e estava tão vacinado contra este tipo de situação? Já se foram dois, três, cinco anos e permaneço inebriado, encarcerado neste sentimento inútil que não desaparece mesmo que mil mulheres atravessem o meu caminho – nos sonhos mais lascivos, mais temperados com o ardor erótico, só você se revela. Sou um homem velho, vivido e há muito devia ter deixado estas hipérboles de lado, mas ainda não consegui. Nem sequer te procurei; um dia, na primeira vez em que te vi, estavas tão linda e deliciosamente provocante em tua sobriedade que, tranquilamente, eu poderia ter ido para casa e desfeito meu casamento. As águas não têm sido mansas em meu barco de atravessar o oceano, mas tudo o que eu queria era estar em minha Copacabana que hoje faz aniversário, queria ser as outras águas do Leme e ter você nua  - te envolver, refrescar, molhar teus cabelos e servir-te de um longo e delicado abraço que, aos poucos, te apertasse por completo, de cima a baixo, até que fosse plenamente minha. Hoje, Copacabana não dorme e eu, ao longe, descanso depois de uma noite de sexo sem felicidade, espio o teto de meu quarto e procuro por você. Não há sinais. Agora você dorme noutra cama e noutra cama, nenhuma delas comigo, e reside em outros sonhos, faz planos, espera outros acontecimentos. Eu não sou sequer o teu dia seguinte, a esperança, não faço parte dos teus planos. Preciso dormir e voltar a sonhar outros sem a tua presença. Mas, se isso realmente acontecer, saiba sempre de tua eterna importância dentro do que mais prezo: amor. Não preciso chorar: a vida é só um instante entre dores, perdas e mistérios inexplicáveis. Um dia, a paixão pode passar; o amor, contudo, é monumento permanente.


Paulo-Roberto Andel, 07/07/2012

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