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Friday, January 25, 2008

Crônicas Tricolores 3 - O time da virada.

Caros companheiros, ontem foi dia de grande emoção em Mário Filho, dada a vitória garbosa do Tricolor sobre a estreante e qualificada equipe do Duque de Caxias, vinda de uma goleada de cinco contra o América, no inusitado horário de sete e meia da noite. A emoção não se deu propriamente em termos de uma partida eletrizante, embora tenha sido longe da monotonia, mas sim por causa do complicado início de jogo para nós – uma vez que estávamos com o revés de dois gols em vinte e cinco minutos de partida. Falarei disso.
Antes de tudo, a chegada ao estádio. Chamou-me atenção, mais uma vez, a dificuldade enorme que um torcedor tem para adquirir seu ingresso nas bilheterias de Maracanã. Organizaram uma fila para os jovens de meia-entrada, demoradíssima. Testemunhei que bilheteiros estavam exigindo, além da carteira de entidade estudantil, a da escola de origem e, com isso, atestando a inutilidade do primeiro documento, como se garotos de dezesseis anos estivessem ali em sinal de mentira. Outra situação curiosíssima foi a de que as grades das bilheterias estavam abertas por baixo, ao contrário da posição correta e tradicional – o que fazia qualquer sujeito com mais de um metro e sessenta e cinco ter que praticamente ajoelhar-se para falar ao funcionário. No mais, a apoteose dos cambistas, negociando a céu aberto e à frente de um camburão de polícia. Hoje, no Maracanã, é mais fácil pagar a um cambista do que adquirir um ticket em guichê. Havia um público pequeno para um jogo do Fluminense, mas suficiente para uma conturbada compra de ingressos. Passam-se os anos, e a coisa somente piora; seria muito fácil consertar a compra de ingressos, houvesse interesse.
Adentrei Maracanã, e logo deparei-me com dois fatos muito agradáveis: um, ver a seriedade do goleiro Diego em seu aquecimento atrás do gol à esquerda das cabines de rádio. Estava concentrado, firme, dedicado. Nós, como reza a tradição de Laranjeiras, acompanhamos todo o treino em silêncio, sem atrapalhar, como fosse uma reverência à camisa que já foi de São Paulo Victor e São Castilho. Antes de voltar ao vestiário, Diego foi atencioso com os que beiravam o gramado, e gostei disso – o ídolo precisa saber tratar a torcida. Ele sabe. Outro fato bom foi rever em campo meu amigo Rafael Marques, jovem e já veterano repórter esportivo, criado em berço Tricolor apesar das raízes eternas em São Januário. Rafael, também bastante solícito aos fãs, mostrou inconscientemente ali o que é um jogo do Fluminense: uma festa de amigos, de família, onde as pessoas confraternizam.
Quando nosso time entrou em campo, seu líder à frente era o presidente Horcades. Estranhei o fato, por mais que a hierarquia o explique. Trata-se de um senhor, com peso e, ao caminhar lentamente, fez com que o time, respeitosamente, fizesse o mesmo em linha indiana atrás dele. Entendo que a maneira de subir ao gramado deva ser rápida e vibrante. Coincidência ou não, refletiu depois em campo. E o calção grená, pouco afeito à camisa Tricolor, é sempre um fator desconfortável para bons presságios.
O jogo.
Sob chuva leve que, rápida e brevemente apertou, começou o match e os de Caxias mostraram presença. Ataques, dos dois lados; entretanto, os visitantes, de uniforme todo alvo (com mando de campo, neste estranho regulamento) pareciam mais bem-arrumados, com jogadas rápidas e tabelas. Imagino ser um time formado bem antes de janeiro. Logo, Caxias fez um gol, em cima de nosso lado esquerdo, onde estava o titubeante Nery: um cruzamento da direita, rasteiro, forte, e a conclusão do atacante caxiense dentro da pequena área. Era apenas um atacante contra quatro defensores na ocasião, mas a bola veio bem ao feito de um matador. Um a zero para eles.
Apesar da desvantagem, não houve motivo para o temor exacerbado, mesmo que os minutos seguintes tenham mostrado erros em nosso meio-campo e a situação crítica da esquerda de nossa defesa. Conseguimos alguns bons ataques e, em dois deles, o empate esteve iminente: um chute forte de Dodô, por cima da meta, pela direita do ataque; a cabeçada de raspão de Washington, que beijou a trave direita. O ataque, embora bem marcado, parecia movimentar-se bem; Neves chamava o jogo para si e tentava jogadas impetuosas pela esquerda. Mesmo longe do melhor de nossa forma, a confiança na reação era grande.
E então veio uma estocada perigosíssima. Em novo cruzamento nas costas do desorientado Nery, a bola foi escorada na direita de nossa defesa, aconteceu um novo cruzamento e sofremos um golaço, com a finalização de voleio do veteraníssimo Viola em meio à área – um golaço daqueles que merecem aplauso, dignos do canto do cisne de um campeão mundial. Os torcedores de Caxias, trazidos pela prefeitura local e nitidamente disfarçados de sua real origem de coração, a Gávea, vibraram. Tomar um grande gol em qualquer situação pode ser desastroso para um time, ainda mais com uma diferença de dois a zero em menos de meia hora de partida.

O Maracanã foi tomado por um silêncio desconfortável; todavia, o Tricolor não esmoreceu e, ainda que sob certa desordem tática, buscou ataque. Nossa defesa, sempre segura, ali tinha vacilado, também prejudicada pela ausência de Marcos Arouca. Outro fator que atrapalhava, e também junto do nervosismo, era a tentativa nossa de municiar o ataque com chutões, sem a bola no chão e toques. Os de Caxias, bem posicionados, desarmavam os lances sem falta. A meu lado, o amigo Pai Tiba de Oxossi, deliciando-se com o sabor inconfundível de um cachorro-quente, bradava:
“- Viraremos. Será 4 x 2!”
Veio intervalo e a impressão clara de que Renato mexeria na equipe. Os Sussekinds, meus irmãos de fé, estavam num camarote e telefonaram-me, enquanto nos víamos ao longe. Eu avisei que Pai Tiba de Oxossi tinha previsto a virada monumental. Raul, sempre sereno e ponderado, preferiu um pontual realismo ao telefone:
“- Cara, acho que virar é impossível...”
É claro que essa frase veio de um momento de chateação de um grande Tricolor, um instante. Eu, você e todos nós sabemos que, para o Fluminense, nada é impossível. Marcos Caetano, em brilhante texto, certa vez definiu bem que não há buraco nesta terra capaz de tragar o Tricolor. Mesmo que não tão firme em campo, o Tricolor tomou gols mais por falhas pontuais do que por uma má atuação coletiva.
Renato fez as entradas que já se imaginava: vieram novamente Cícero e Júnior César. E o Fluminense tornou-se um titã enfurecido, incontrolável.
Saída do segundo tempo, fizemos ataques e, numa jogada que parecia perdida, o zagueiro craque Thiago roubou magnificamente uma bola à frente da área, e disparou um tiro de canhão na meia-altura direita, indefensável para o goleiro caxiense. Um chute espetacular, violento e preciso, daqueles que fazem qualquer time reagir e vencer qualquer jogo. Um gol antológico, para premiar tudo o que este rapaz tem feito com a camisa do Fluminense e, sem o menor exagero, no mesmo nível de gigantes do nosso passado mais recente, como Ricardo e Edinho. Thiago dificilmente faz faltas, tem um senso de cobertura fantástico, grande posicionamento, carrega bem a bola e finaliza com maestria. É jogador de Seleção Brasileira, para quem entende do assunto. Não reconhecer seu talento só pode ser fruto de cegueira futebolística.
O gol incendiou nossa torcida, a reação no placar era inevitável. E logo empatamos, numa jogada onde Leandro tentou encobrir o goleiro Fernando, mas a bola não ganhou força na direção do gol; de toda forma, serviu como belo lençol e Leandro apenas chegou perto do gol vazio para tocar e decretar o empate.

Ainda tínhamos mais de meia hora para dominar o jogo em números e, ao verem os dois a dois no placar, os caxias certamente sentiram a pressão que havia se estabelecido, bem como a condição física que não era mais a mesma. Ficou claro que vencer a peleja era questão de tempo para nós.
Demoramos um pouco. Houve um gol justamente anulado de Leandro, impedido. Dodô buscava jogo pelos dois lados. Washington vinha marcar na nossa intermediária. Júnior disparava a todo instante pela esquerda. Neves ia e vinha. Em um certo momento, fizemos quatro finalizações em três minutos. O gol não surgia. Contudo, os de Caxias, baqueados, sequer encaixavam um contra-ataque. Era preciso ter paciência, perseverar.
Numa jogada bem parecida com a que gerou a bola na trave, no primeiro tempo, aconteceu o que todos queríamos e precisávamos. Neves cruzou e Washington, definitivo, venceu todos no alto e tocou para o gol, decretando o terceiro tento. Ali, senhores, o jogo encerrou. O Caxias entendeu que, mesmo tendo uma boa performance, não seria páreo para Laranjeiras. E nada mais fez, exceto aceitar sofregamente a derrota de virada.
Renato, prudente, colocou o jovem Maurício para aumentar o poder de marcação, e tirou o aplaudido Washington, nome de hoje e sinônimo de tantas glórias passadas. Ainda perdemos alguns gols, mas a vitória estava selada.
Diverti-me ao final, com o apito do juiz, ao ver os flamengos disfarçados de Caxias, um tanto cabisbaixos, com remorso. Perceberam que, por mais que a Gávea tenha a predileção da imprensa e dos especializados, encarar o Fluminense será uma pedreira de sete mil quedas. Também agradou-me saber da correção profética de Pai Tiba: os gols aconteceram e, se não foram quatro, foi apenas uma questão de validação.
Mostramos força e valentia, mesmo com uma situação de revés na partida. Viramos. Nós somos o time da virada, o time das vitórias no último minuto. E quem duvida de nós na véspera corre o sério risco de engasgar-se ao fim, enquanto bradamos nossa vitória a cada quarta, cada domingo, cada dia onde a nossa centenária e imortal camisa esteja em campo.

Paulo-Roberto Andel, 24/01/2008

http://www.globoonliners.com.br/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=5030

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