A mais estranha de todas as sensações é estar num lugar que é tão familiar depois de tantos anos, mas ao mesmo tempo tem tantas diferenças num percurso que mal dá um quilômetro.
Volte a Copacabana depois de quase trinta anos. A Babilônia Brasileira permanece intacta em sua riqueza multifacetada, cheia de cores, crenças, classes, comandos, turmas, gangues, mas é tudo diferente demais. Qualquer cinquentão pode ser um morto vivo refazendo o caminho das ruas, procurando endereços desaparecidos e revendo logradouros finados.
Passe pelo Shopping dos Antiquários, um ponto tradicional do bairro. Cadê o Supermercado Leão, a loteria do Seu Carlos - com mil escudos de times na parede - as papelarias com maravilhosos botões, o bar Bole-Bole - que tinha a pior almôndega de todos os tempos -, o Teatro Teresa Raquel? Cadê os transeuntes? Billy Blanco, Agildo Ribeiro, Jorge Cherques, Rodrigues Neto, Cauby Peixoto, Walmor Chagas, Regininha Poltergeist? As famosas lojas Lixo e Lixão, que ditaram moda nos tempos da repressão braba. Humm, e o fliperama na saída da Siqueira Campos? Nunca mais. E as Termas L'uomo? E o Magnetoscópio? E o grupo de escoteiros? O Copa D'or domina tudo!
Descendo pela rua Tonelero, desapareceu a loja Cantinho Sonoro - das primeiras a vender CDs no país - e a papelaria Tia Dália - também um importante fornecedor de botões para jogar. Na esquina de Anita Garibaldi, faleceu a Casa Natale, com excelentes frios e importados. Bom, do outro lado da rua pelo menos o botequim e a padaria permanecem intactos.
Vire à esquerda na Santa Clara e corte a Barata Ribeiro. Mais duas lembranças: a loja de brinquedos Dom Pixote e, bem em frente, a maravilhosa Massas Suprema - com pasteizinhos emocionantes. Se tivesse ficado na esquina anterior, além da casa de frutas veria as maravilhosas lojas de discos Billboard e Modern Sound, além do Cine Bruni Copacabana.
O morto vivo para na esquina de Santa Clara com Avenida (Nossa Senhora de) Copacabana. Num breve giro de 360 graus, ele espia na memória a Casa Barbosa Freitas, a Cirandinha, o Cine Art Copacabana, o Metro Copacabana, a Casa Sloper, as Lojas Brasileiras - com a inesquecível pizza brotinho de muçarela - a Bonnie, a Casa Mattos, tudo pelos arredores. Ufa!
Melhor voltar pela avenida no sentido dos carros e saber que a Charutaria Lolló se salvou - esteve para fechar, mas o novo dono foi heróico e ainda manteve os veteranos funcionários. Ou atravessar a rua, parar bem em frente à Galeria Menescal e olhar onde era o Gordon, lanchonete histórica dos anos 1960 a 1990 - tinha um canguru gigante na porta! - as crianças ficavam enlouquecidas ao vê-lo.
Figueiredo Magalhães. A outrora esquina mais barulhenta do planeta Terra (esférico). Na porta das Lojas Americanas tinha uma lanchonete que vendia cachorro quente e refresco de côco em copo de papel em cone, no tempo em que ali do lado o Cine Condor exibia "Sissi, a imperatriz" com a belíssima Romy Schneider. Voltando à avenida, a radical galeria Ritz com a Loja Promessa de vizinha. Depois Sapasso, Formosinho, Banespa e finalmente o Boni's, que mudou mas não muito.
Do outro lado da rua, o Centro Comercial de Copacabana. A loja Disco do Dia abasteceu os corações de música pelos anos 1980. Mendel Chapiro tinha uma loja exclusiva de jeans no subsolo. No segundo andar havia uma lanchonete com excelente misto quente. No terceiro, a pioneira dos sex shops no Rio. E no prédio, as belas GPs atraíam os garotos para as festas do amor em quitinetes com divisórias, para a alegria do irreverente Ibrahim Sued, sempre fazendo graça com os jovens clientes saídos dos estabelecimentos sexuais.
Ao morto vivo, um espírito que anda, resta sair do CCC, virar à direita em direção à praia, passar pela Churrascaria Carretão cheia de turistas e procurar pelo Rondinella na esquina com a Atlântica. Ali, o ator Percy Aires, ex-dono, deu muitos autógrafos para os clientes quando fazia sucesso na Globo, quando interpretava um general de pijama na novela das oito.
Mais adiante, outras garotas inesquecíveis na Boite Bolero. Porém, somente em sonho.
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