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Monday, November 20, 2023

O fim do Kiss


Tudo passa. Só o Fluminense jamais passará. Mas taí: o Kiss vai acabar. Não como indústria, claro, mas como a banda que dá as cartas nos palcos há meio século.

Foi minha estreia em grandes shows de rock. E que estreia: o Maracanã abarrotado de gente, velhinhas do lado de fora tentando impedir a nossa entrada - uma delas, tadinha, pegou no meu braço e não me largava, até que virei um cabo de guerra humano e meus amigos levaram a melhor. Do lado de fora espalhavam em cartazes que o Kiss na verdade era "Knights In Satan's Service", Cavaleiros a Serviço de Satã. Anos depois eu diria que no máximo chamariam a atenção de Madame Satã pelo glamour...

Máquina de fazer dinheiro, império do entretenimento, digam o que disserem: o sucesso cinquentenário do Kiss vem de seu talento, pouco importando os erros que a banda cometeu ao longo do tempo, como qualquer outra. Paul Stanley é um dos maiores cantores do rock em todos os tempos, embora não soe aos 72 anos do mesmo jeito que aos 21 ou 35, tal como qualquer ser humano - é sempre uma ladainha, "Ah, o Ian Gillan não canta como há 50 anos", dai-me paciência. Gene Simmons é um tremendo baixista e a banda sempre foi ousada. Acertou muito, também errou, mas sempre arriscou e, por isso, cumpriu sua missão artística.

Antes do Kiss, eu ouvia Genesis e Police. Um pouco do Van Halen. O show do Maracanã foi uma espécie de sinal de alerta para o que viria a seguir: Rock In Rio, Hollywood Rock, outros grandes shows no maior estádio do mundo. Em 1984 meu pai me deu de presente uma fita cassete do Jethro Tull, "Aqualung", e outra do Pink Floyd, "The Wall". Misturando isso tudo à bossa nova, que eu já adorava, à MPB que eu ouvia em rádio e o pop anglo-americano, formou-se o meu amálgama musical que continua crescendo até hoje. Ouço de tudo: de música popular paquistanesa às novas tendências rock de Vladivostok. 

Ainda o Kiss: em certa ocasião, quando eu tinha um sebo na Gomes Carneiro, apareceu o BNegão por lá. Coisa de 2003. Gente fina à beça, passou horas escolhendo LPs. Na hora de embrulhar, vi que tinha vários do Kiss e ri, por gostar também. BNegão, sem saber, disse: “Pô, eu vi que você riu dos discos do Kiss, mas eu me amarro na banda e tal”. Aí falei pra ele sobre o show do Maracanã e conversamos por mais de uma hora. 

Não fui ao primeiro Rock in Rio por falta de grana e pela distância, mas num período de cinco anos eu já tinha visto James Taylor (na Apoteose), The Cure (no Maracanãzinho), Eric Clapton, Paul McCartney, David Bowie e os nacionais Paralamas, Titãs (trocentas vezes), Barão Vermelho, a Legião Urbana, Ira! e grande elenco, sem contar as grandes apresentações gratuitas no Parque Garota do Arpoador: Raphael Rabello, Armandinho, Adriana Calcanhotto, Tim Maia, Francis Hime. Eu já gostava bastante de ouvir música, mas foi o Kiss que me jogou no voo livre dos grandes shows, no que sou muito grato. 

Paul Stanley foi um dos maiores cantores dos últimos 50 anos. Merece respeito para sempre. O Kiss pode acabar, mas eu não vou parar de escutar pelo resto da minha vida. 

@p.r.andel

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