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Friday, May 01, 2015

o idiota

esgueirando-se pelos escombros dos argumentos
fazendo da lógica um ataque epilético
cozinhando a ignorância, celebrando a covardia
um idiota faz da hipocrisia a sua sacada num palácio real
uma celebridade insignificante
um puxa-saco, um borra-botas
o oxigênio do idiota é a insensatez - nela, constrói suas verdades
agride, difama, calunia
entorpece as falas razoáveis
deturpa fatos, relativiza o óbvio,
e sua ignorância mora num sorriso alvar
oh, o idiota
espalhado democraticamente em todos os lugares
nas grandes corporações, em tomadas de decisões, ácaro na cueca dos homens desejados
papagaio de pirata dos atos falhos
o idiota na política persegue os comunistas e vê futuro nos fascistas
o cidadão idiota cobra honestidade com hipocrisia, aplaude a história editada, faz-se um torcedor eleitoral
um débil mental
o idiota nas frentes de trabalho, rastejando-se para sabotar colegas, mentir, constranger
e a vitória vira cachaça num balcão vulgar de bar
em troca de moedas sujas, o dinheiro de merda
um alcoólatra de merda
o idiota nas grandes faculdades carregando livros pesados só para ler as orelhas, as orelhas
o idiota classista, que defende a injustiça e a desordem, que vê o Rio somente nos cartões postais
debocha dos mendigos, autoproclama-se artista, acredita ter méritos
mas não consegue ver ou ouvir o talento alheio
um idiota rouba a própria empresa onde trabalha, o prédio onde mora, o vizinho
e dorme tranquilo
mas nem desconfia da concorrência: outros idiotas
a querer o seu sangue, sua cabeça de porco
para o idiota, só existe uma única e inevitável dor: ao olhar-se
diante do espelho, finalmente ele encontra a sua realidade
um idiota vê a si mesmo num verdadeiro carnaval da mediocridade
os belos apartamentos estão cheios de idiotas
as casas políticas são refúgios de idiotas
as redações dos jornais, os cenários corporativos, os maus escritórios
o futebol recheado de idiotas
a apoteose e seu desfile têm idiotas
o grande réveillon do rio
tem dezenas de milhares de idiotas
os golpes de estado, as guerras civis
vale o que está escrito
em provas ridículas, páginas fúteis, teses encardidas, processos estúpidos
aquela esquina antiga também tem um idiota
o mar do imbuí já teve um banhista idiota
os políticos corruptos, protegidos pela burguesia, pensam que todos são idiotas
idiotas fazem arte, rimam errado, desfraldam diplomas, ostentam dinheiro
e não pensam na mãe pobre debaixo da marquise com suas crianças esfomeadas
os doentes no leito de morte
os jovens negros mortos na guerra
idiotas não enxergam a insanidade nem em si mesmos
um chefe idiota, um empregado idiota, um professor idiota, um aluno também - o pobre e o rico, o gordo e o magro, o preto e o branco
o alto e o baixo
o idiota é o nosso petróleo: as reservas são inesgotáveis
oh, idiota: mesmo em seu mundo de torpeza e ignorância, orai por nós - faremos o mesmo em prol da tua alma turva, atormentada
falida no fracasso de uma vida opaca
o outono está nas ruas num feriado de maio
alguém liga a televisão e escuta o idiota
os livros estão fechados e empoeirados
idiota
idiota
cinco mil vezes idiota

@pauloandel

1 comment:

Felipe Fleury said...

E quantos idiotas são forjados diariamente! Uma linha de produção incessante a produzir idiotas...