Translate

Thursday, July 10, 2014

a imprensa esportiva esquizofrênica

Hoje, a coletiva de Neymar causou comoção. Não há duvidas da maturidade do jovem jogador, muito ponderado em suas colocações. Mas se você só refletir por meio de jornais e programas de TV, terá a impressão de que ele fez uma Copa perfeita, deu todos os passes e foi infalível, o que é uma mentira grosseira. A estúpida joelhada que recebeu de Zuniga foi o álibi perfeito para suas atuações opacas contra Chile e Colômbia (antes de ser quebrado, claro).

Curioso, mas nem tanto, foi o uso dessa mesma coletiva para que naturalmente se desancasse internet e jornais afora os nomes de Luiz Felipe Scolari, Carlos Alberto Parreira, a cúpula da CBF e o raio que o parta. Berros de jornalistas, acusações de incompetência, afirmações de envolvimento com a ditadura 64, vociferações, tudo o que se pode imaginar para uma "verdadeira revolução no futebol brasileiro".

O comando político da CBF é abominável, lógico. Mas convém o bom senso de separar o joio do trigo.

Ok, ninguém pode achar normal a maneira como a Seleção foi trucidada pela Alemanha. Depois do segundo gol, faltou um veterano em campo que esfriasse a coisa. Deu no que deu.

Não morro de amores por Scolari. Nunca morri. Não gostava de suas instruções para quebrar jogadores, o jeito chucro nas declarações e outras coisas. Há muito tempo não vinha de boas jornadas. Mas justiça seja feita: tem currículo, é vitorioso e iniciou a atual jornada depois que Mano Menezes fracassou nos Jogos Olímpicos. Ali, era o mito da Família campeã em 2002 vencendo todos os jogos. A grande imprensa apoiou. Na jornada anterior, pegou o Brasil em frangalhos nas eliminatórias e chegou ao penta. É o treinador com mais vitórias em Copas do Mundo na história da Seleção Brasileira. E ainda levou o eterno azarão Portugal ao terceiro lugar de 2006. Não morro de amores por ele, mas não me permito ser idiota a ponto de renegar sua carreira.

Veio a Copa das Confederações, o Brasil emplacou, foi campeão, diziam de uma Família II.

Então o Brasil começou a Copa 2014 com dificuldades, assim como outras seleções, e se classificou. Todos diziam que o Chile seria  dos adversários mais difíceis de se enfrentar na Copa. E foi mesmo.

A Colômbia vinha jogando o fino com o craque James Rodríguez. Barra pesada. Diziam que não ia dar. Fizemos nossa melhor partida e passamos. Estávamos longe do brilho, mas parecia que decolaríamos.

Então veio a Alemanha e nos fuzilou piedosamente em dez minutos. Fez conosco o que não tinha conseguido contra Gana, Argélia, Estados Unidos e França. Goleou Portugal na estreia, o que não dá cartaz a ninguém.

Longe de tirar o mérito do colossal talento alemão, inquestionável, quero apenas dizer que os 7 x 1 foram atípicos até mesmo para quem tem oito anos de planejamento, tempo de Joachim Low à frente da esquadra germânica - terá doze com a renovação já feita antes da final. Eles se surpreenderam com o que aconteceu.

Scolari errou e ajudou a fornecer dados para a tragédia do Mineirão. Mas se tivesse perdido por 1 x 0, também seria escorraçado - no caso, a histórica goleada é apenas um agravante. Parte da imprensa esportiva do Brasil é conduzida por um marco de seus patrões: a derrota (ou perda econômica) é inaceitável. Perdeu, masmorra. Medieval mesmo.

Pausa para Parreira. Um dos únicos brasileiros bicampeões mundiais no futebol brasileiro (1970/1994), é o recordista de comando de seleções nas Copas. Campeão no Brasil por Fluminense, Inter e Corinthians. Um dos mais experientes profissionais vivos da história das Copas do Mundo. Virou um "ultrapassado que serviu à ditadura". Mas todos os que serviram à Seleção Brasileira entre 1966 e 1982 estiveram perto - involuntariamente ou não - daquele abominável momento político, salvo honrosas exceções como João Saldanha, Paulo Cezar Caju e Sócrates, sempre marcando posição. E o resto, é lixo?

Joachim Low tem a sorte de ser alemão. Jamais conseguiria trabalhar na Seleção Brasileira por oito anos sem conquistar títulos, esperando por um longo prazo até os frutos. Ao primeiro ano e meio, o primeiro fracasso e seria tachado de incapaz, fraco ou essas novas besteiras como "perdeu o vestiário".

Chega a ser fácil prever a opinião jornalística predominante, caso o excelente trabalho do treinador alemão fique pelo caminho diante de genialidade de dez minutos de um Messi, por exemplo, hipótese plausível.

E também fácil uma conclusão: a renovação do futebol brasileiro, tão ansiada e necessária, não pode ter como base os arroubos de uma imprensa esportiva esquizofrênica, oportunista, covarde e hipócrita - ela exige o que é incapaz de praticar. Liste o nome dos grandes formadores de opinião do ramo: estão aí desde os tempos de Médici; crucificaram Zagalo, Telê, Lazaroni; apedrejaram Evaristo com SEIS jogos em 1985. Cláudio Coutinho - militar nos tempos da ditadura e também campeão em 1970 -, falecido precocemente após um terrível acidente submarino, escapou do linchamento. Ah, e vários senhores da verdade jornalística trabalharam para veículos de comunicação ligados à ditadura. Nada como o vil metal a dobrar convicções. 

O sucessor de Luiz Felipe já tem pesadelos ao se esquivar das pedradas.

Os covardes não esperam.

@pauloandel

No comments: