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Monday, May 19, 2014

três pequenas histórias do litoral

1

Você olha a beleza do mar do Vidigal a São Conrado. Por um instante, ela faz esquecer as mazelas: a injustiça, a dor, o desespero, a escrotidão. A favela com classe, o verde que deslumbra. No ponto, entra um senhor lentamente e alguém logo lhe oferece assento no ônibus. Agradece, diz que não é necessário. Percebe-se que é cego.

Estava em busca do pão. Bem devagar, esgueira-se pelo corredor cheio e começa a distribuir pequenos papeizinhos onde pende ajuda financeira. Trata-se de uma cena comum nesse mundo de merda onde o egoísmo se traveste de capitalismo, mas o que chama mais atenção é que o senhor cego estava completamente sozinho – em geral, os pedintes portadores de necessidades tem alguém a ajudar-lhes na tarefa. Nada. um homem sozinho, esgueirando-se entre gente, certeiramente chegando perto das mãos das pessoas e lhes dando um bilhetinho de ajuda que não devia ter mais do que qutro centímetros.

Poucos falam no ônibus. O cego distribui os papéis. Até na hora mais difícil para uma pessoa, que é ter que sucumbir diante do dinheiro e pedir a terceiros, sua tarefa é dificultada. Numa das mãos ele carrega os papeizinhos; na outra os pequenos trocados. Penso na dificuldade de sua luta solitária. O jogo de mergulhar no escuro tão bem descrito ali: o senhor que não enxerga, os papéis que podem ser perdidos ou ignorados pelos mais rústicos, até mesmo o dinheiro. À ESQUERDA, a beleza infinita do Joá e o Costa Brava, Ao centro, o Brasil que ainda sofre enquanto moderninhos de merda chamam isso de assistencialismo. O que se faz com as centenas de milhares de pessoas que não são amparadas pelo Estado e, claro, tratadas como lixo pelo mercado? Ao fazer essa pergunta, geralmente o interlocutor recebe de volta um silêncio cínico que, audível, é traduzido pela chula expressão “fodam-se”.

Alguns sorriem porque a placa avisa quando você está na Barra. Os mais informados se entristecem ao lembrarem-se da linda Patrícia Amieiro. No primeiro ponto, o senhor cego salta. Conseguiu alguns bons trocados, terá direito a um pão enquanto a luta infinita não recomeça num novo ringue da vida. Devagar do começo ao fim, ele ensina que não se deve desistir nem quando tudo parece perdido. Tudo dança.

2

Poucos metros adiante, o sinal fecha perto do famoso e decano condomínio Riviera Del Fiori. Um menininho negro magro, magro e muito pequeno com suas bolinhas fazendo malabarismo. Era tão pequeno que mal conseguia alcançar as janelas dos carros para pedir ajuda aos irritados motoristas que o queriam fora daquele sinal, daquela avenida e até mesmo fora do planeta. Pequeno demais diante dos grandes gigantes de concreto e moradores abastados. Pequeno demais o garoto e longe demais de seu destino merecido: escola, comida, carinho, brinquedos, tudo perdido diante da solidão de uma avenida da Beverly Hills carioca e sua cafonália. Entre os carros, um Brasil que ainda sofre no almoço e sonha com o jantar, enquanto a vida ali parece tão injusta, insana e sinceramente tremo quando alguns de meus companheiros de faculdade  - muitos, beneficiados pela escola e dinheiro públicos – defendem a volta de velhos valores piorados, capazes de tornar o sofrimento daquele menininho pequeno, magro e negro uma escravidão a se perder pelos novos séculos.

3

Fim de dia, a bela praia de Botafogo, Pão de Açúcar ao fundo, belezas incontáveis desde séculos atrás, um rapaz solitário sentado no pé da trave esquerda á esquerda de quem olha a praia de frente. Um silêncio dos céus, um desenho de avião contornando, calçadas vazias, um Rio de Janeiro com vestes de outono e certa tristeza que alimenta o melhor da bossa nova, uma melancolia que não tem fim. O Rio é lindo, a vida é triste, só nos resta seguir em frente sem direção certa e sequer a menor ideia de onde isso tudo vai parar – se é que haverá parada.


@pauloandel

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