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Friday, May 16, 2014

os brasis

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O Brasil mudou nos últimos anos. Mudou sim. E para melhor. Não exatamente como muitos gostariam, não exatamente na construção de uma sociedade mais libertária e intelectualmente enriquecida, mas mudou. É fácil demais condenar o governo chamando de clientelismo qualquer política de inserção social. É fácil demais chamar o pobre de vagabundo quando se nasceu bem amparado financeiramente pela família, em competo descaso ao que se passa no outro lado da calçada. É fácil demais fingir que não se via milhões de pessoas simplesmente morrendo de fome – ainda morrem, mas numa escala muito menor – porque os socialmente cegos entendiam que cada um deve ser por si e não precisamos do Estado – a maneira educada de dizer “Foda-se o outro. Quero é saber de mim”. Décadas anteriores mostraram que o conceito de máxima liberdade do capital especulativo só serviu para aumentar o abismo social e suas mazelas. O Brasil ainda está longe do que se pode chamar de plena justiça social, mas mudou para melhor. Ainda falta muito, muito, muito. Não é possível sentir-se conformado quando bandidos armados oprimem favelas, estupram adolescentes arrancadas da casa dos pais e depois a exploram como garotas de programa. Inaceitável pensar que tudo o que aí está em termos de violência está diretamente ligado à indústria das drogas, dirigida de longe por milionários inescrupulosos que trocam seus capangas como quem troca de roupa: morre um analfabeto, coloque o fuzil na mão de outro – e pior ainda é pensar que, se todos estes escravos do crime tivessem recebido a devida atenção socioeducacional, é se imaginar que a força do banditismo fosse hoje cada vez menor. Não há como achar normal que, em 2014, pessoas considerem um acinte o caminhar de pretos e pobres em shopping centers requintados das grandes cidades. O que dizer de um candidato que se apresenta em frente às câmeras de TV, em busca de um novo mandato através de eleição, dizendo que tem saudades da ditadura cívico-miliar de 1964, responsável por estupros, torturas e assassinatos de milhares de brasileiros, impondo a pena de morte sem dó? Quem pode defender como são o fato do governo institucionalizar o crime que deveria combater? Falta muita coisa ao Brasil de agora, mas seria uma estupidez retornar a tempos de porões, farsa de frangos e entrega do patrimônio nacional a troco de banana – e, se neste momento, você reclama porque o sinal do teu celular é uma merda permanente, talvez entenda o papel de Daniel Dantas neste sentido.

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O Brasil também paga o preço do mundo inteiro. Caminhamos para um mundo cada vez mais tecnológico e menos evoluído intelectualmente, por mais paradoxal que isso possa parecer. A internet é um fenômeno fabuloso, um dos grandes inventos da humanidade, no mesmo patamar do avião, do telefone, da luz elétrica; no entanto, sua enorme riqueza está mal distribuída. As pessoas gastam cada vez mais horas na rede mundial de computadores e cada vez leem menos, pensam menos, refletem menos. Curte-se e compartilha-se sem a menor convicção pró e contra, em gestos mecanizados completamente ausentes de reflexão. Parecer ficou mais importante do que ser. Há muito, ter ficou bem mais importante do que ser. As grandes imagens, os grandes textos, os pensamentos instigantes, os contrapontos, tudo fica perdido diante de um debochado vídeo popular onde alguém desrespeita alguém, ou alguma fofoca a respeito de determinada celebridade. O que poderia ser o mar da sofisticação se transformou no deserto das ideias. Sem ler, estudar e refletir, a capacidade argumentativa fica cada vez mais rasa. E ENTÃO surgem os fascínios pelos autoritários, os choques de ordem, a verborragia de aparências, a ostentação cafona. Nem tudo é derrota, claro: "O bom da Internet é que ela liberta o homem moderno, dando a ele uma independência, algo semelhante a um novo Renascimento, livre de opiniões editorializadas, livre de civilizações cosmopolitas e altamente fascinante. A Internet é efetivamente o maior veículo, o antirracista, o anti-preconceito religioso - na medida que proporciona a real integração dos povos, que se dá por meio da cultura e da informação. Daqui a uns 30 anos, a configuração do mundo globalizado e internetizado será fascinante, isso se o Saddam Hussein não jogar bombas bacteriológicas na gente antes disso. O ruim da Internet é que está virando uma enorme "páginas amarelas', ou seja, um enorme mercado de vendedores ambulantes." – Gerald Thomas em 1998.

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O que falta realmente é respeitar a democracia. A palavra vem do povo. Da maioria. Ela é que deve prevalecer. Não há mais espaço para rancorosas viúvas do nazismo tupiniquim.

@pauloandel

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