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Thursday, February 06, 2014

o amor 2 - Maiakovski

o amor

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

Vladimir Maiakovski (1893-1930)



a flauta vértebra

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

(tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)


blusa fátua

Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.

Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde de as minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"

Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!

Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!

(tradução: Augusto de Campos)


amo

COMUMENTE É ASSIM
Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração
levamos o corpo,
sobre o corpo
a camisa
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica pelo sistema Mulher.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce
floresce,
e depois desfolha.


adolescente

A juventude de mil ocupações.
Estudamos gramática até ficar zonzos.
A mim me expulsaram do quinto ano e fui entupir os cárceres de Moscou
Em nosso pequeno mundo caseiro
brotam pelos divãs poetas de melenas fartas.
Que esperar desses líricos bichanos?
Eu, no entanto, aprendi a amar no cárcere.
Que vale comparado com isto a tristeza dos bosques de Boulogne?
Que valem comparados com isto
suspirosante a paisagem do mar?
Eu, pois, me enamorei da janelinha da cela 103
da "oficina de pompas fúnebres
Há gente que vê o sol todos os dias e se enche de presunção.
Não valem muito esses raiozinhos dizem.
Eu, então, por um raiozinho de sol amarelo dançando em minha parede teria dado todo um mundo.


Sobre Maiakovski

Em 1906, após a morte de seu pai, muda-se com a família para Moscou. Aos 15 anos ingressa no Partido Bolchevique e é preso duas vezes, sendo que na última permanece onze meses encarcerado, quando aproveita para leitura de todas as obras clássicas. Em 1910, ingressa na Escola de Belas Artes, de onde é expulso quatro anos depois, quando já se encontra ligado ao movimento futurista. Era o expoente de uma geração em busca de uma estética que captasse a profundidade daquelas inquietações russas. A partir da Revolução de 1917 sua atividade literária se intensifica unido a atividade política. Participa das comissões de literatura, pintura e cinema. Começa a ser tachado pelos burocratas do Partido de "incompreensível para as massas". Maiakóvski busca demonstrar seu engajamento fazendo cartazes e poemas de exaltação ao Regime Soviético. Nos últimos três anos de vida, levou seus versos a mais de 180 mil pessoas, em conferências e recitais por várias cidades. Nunca aceitou a imposição de escrever o vazio óbvio como os poetas proletários insistiam. Dizia "vangloriam-se alguns do fato de a nossa leitura ser florida como um jardim".

Suicidou-se talvez pela falta de perspectivas que via para a sua arte, talvez pelos problemas de saúde, estava com a garganta abalada e percebia que não poderia recitar mais, talvez pelos relacionamentos amorosos infelizes. Além das poesias e roteiros dos filmes escreveu as peças teatrais Mistério Bufo (1918 e 1920) e O Percevejo (1929) dirigidas por Meyerhold, Eu, Vladimir Maiakóvski (1913) e Os Banhos (1930).

@pauloandel

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