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Tuesday, February 04, 2014

a hipocrisia

Qual rua não a adota? Casa, paço, alameda, ciudad, calle? Acordamos, vivemos, dormimos e lá está a danada da hipocrisia. Nos discursos de ordem e progresso em defesa da grande pátria, escoram-se rastros de hipocrisia. Ou então os falsos moralistas que adoram criticar o comportamento alheio enquanto escondem toda sua podridão, lá está a fortalecida hipocrisia. O caso de agora vivido nas manchetes pelo Fluminense é um exercício completo de hipocrisia plena: jornalistas cínicos omitem a verdade, distorcem, subvertem e entorpecem a opinião pública, muito menos do fizeram diante do inacreditável caso Bruno. Quando Cuba constrói seu porto, os hipócritas vociferam e apregoam o fim do comunismo com ridicularização incompatível; são os mesmos que defendem o liberalismo e incomodam-se com a alta dos preços em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo – liberalismo pleno, desde que tenham seus bolsos cheios e o resto-que-se-foda - o nome disso é hipocrisia. Eduardo Coutinho, brilhante cineasta assassinado domingo passado, era comunista: alguém teria condições morais de apontá-lo como idiota por isso? A hipocrisia quer a fogueira para Woody Allen a respeito de um crime que jamais foi comprovado, mas não move uma palha sobre a garota que acabou de ser estuprada no Alto da Boa Vista, as garotas que são seviciadas diariamente em comunidades ainda dominadas pelo tráfico carioca, as garotas que fazem programa na avenida Atlântica e espalhadas em todos os puteiros. Quantos jornalistas hipócritas não defenderam com veemência regimes prisionais mais severos, até perpétuos, mas calaram-se diante do caso Pimenta Neves? Empresários hipócritas sempre reclamam dos altos tributos, mas fogem da Receita Federal com dois mil e um artifícios no limite da lei – às vezes, extrapolando-a. A hipocrisia que marcou as discussões a respeito do beijo gay na televisão é um marco da nossa estupidez contemporânea: há décadas, personagens homossexuais estão (devidamente) incorporados ao cotidiano televisivo. Namoram, seduzem, tudo acontece, por que então a celeuma em torno de um beijo? Um provincianismo comovente, da mesma natureza que alimenta os intelectuais de orelha de livro, ávidos pelas mais novas idiotices de Mainardi e Jabor, temperadas com verborragia barata e palavras pinçadas para dar o tom professoral que os arrogantes tanto apreciam. Para a hipocrisia comum, Chico Buarque, Caetano e Gil são defensores da censura, com todo o ridículo daqueles que não têm acompanhado suas trajetórias. A hipocrisia está de mãos dadas com a indiferença diante da miséria, o desinteresse pelo próximo, a patética sede de poder. O amor que não se declara. O ódio que se espalha. O primarismo da vitória que se traduz em bens de consumo e cabeças ocas. O ter mais importante do que o ser. A hipocrisia na intolerância religiosa e até mesmo na ausência de religião. A hipocrisia em ser o que não se é ou não ser o que se realmente é. Ou a hipocrisia da via única: um jornal, um canal de televisão, uma opinião, uma escola de samba, um time. As ruas estão pintadas com a hipocrisia da ostentação idiota, devidamente rejeitada pelos verdadeiros racionais. Cada vez mais temos mais informação, computadores, meios de comunicação, velocidade e tudo se perde no caminho porque não sabemos viver sem hipocrisia. Personagens politicamente corretos sonegando impostos, furando fila, transferindo bens para terceiros, fingindo que André Santos e Heverton são personagens de uma história com Papai Noel. Você que me lê por ora considera-me um hipócrita e, nisso, fica deitada em berço esplêndido a mais fina flor do que aqui propus tratar como simples hipocrisia. A covardia da covardia. Escrotidão e ironia. Que nostalgia fria?

@pauloandel

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