A
JUSTIÇA E O CAMINHO DA POLÍTICA
por
Mauro Santayana
A Justiça, conforme o pensamento grego, se faz quando o tribunal devolve à vítima o bem que lhe foi tomado, de forma a que as coisas voltem ao seu estado anterior. Devolver o bem tomado deve ser visto em sentido amplo: a justiça não trata apenas do furto ou roubo, mas, da mesma forma, da honra e, também, dos homicídios. Nesse sentido, a justiça não atua somente tendo em vista as duas partes de um processo, e, por isso mesmo, o Estado, em nome da sociedade, está presente. O assassino, por exemplo, não tem como devolver a vida ao morto, mas a sociedade, em nome do morto, pode condená-lo à morte (o que é sempre um risco de injustiça absoluta), onde há a pena capital, ou à prisão, por muito ou pouco tempo.
Podemos, por exemplo, considerar uma injustiça contra o povo da Noruega e uma ofensa aos sentimentos universais, a condenação do nazista norueguês a apenas 21 anos de prisão em aposentos de boa hotelaria – mas a legislação penal de cada país é uma prerrogativa de seus parlamentares.
O Supremo Tribunal Federal se aproxima do final do julgamento da Ação 470. É certo que a decisão da Justiça não será aplaudida. Melhor teria sido que não tivesse havido o que houve.
Podemos entender que os atos de que foram acusados os envolvidos no processo sempre se cometeram no país, e sempre foram tolerados, como infrações apenas eleitorais, ao serem considerados como de financiamento não contabilizado de campanhas políticas. Quando se examina o governo Lula, ao qual serviram muitos dos acusados de hoje, é difícil não aceitar seus êxitos. A simples eleição do trabalhador manual, de escassa escolaridade, nascido no sertão pernambucano, para a presidência da República, constituiu uma revolução social e política que não deve ser ignorada. A redução da pobreza secular do Brasil, da qual sempre se nutriu a classe dos opressores, bem nascidos e bem protegidos pelo Estado, é um fato histórico que será sempre lembrado, quando o julgamento da Ação 470 for apenas um registro nos feitos de nosso tribunal supremo, perdido entre tantos outros julgamentos de seu denso arquivo de trabalho.
Entendemos o sentimento de decepção de grande parte dos cidadãos brasileiros. Identificamos também a espúria origem da denúncia de Roberto Jefferson que, apanhado na teia menor da corrupção na empresa estatal dos correios, resolveu desafiar tudo e todos, com a confissão de que recebera 4 milhões dos 20 que – disse ele – lhe foram prometidos. A propósito, até hoje não se sabe exatamente o que Jefferson fez com tais – e tão pingues – recursos.
Como resumiu o Ministro Ayres Britto, presidente do STF, ao votar integralmente com o relator, nos casos examinados até agora, não é agradável condenar. A condenação tem o sabor dos frutos amargos.
Os cidadãos de bem tampouco exultam com as condenações. Como o sofrimento é o melhor mestre, temos que repensar a política em nosso país – e no mundo, onde o cenário tampouco é agradável, neste momento em que a paranóia se associa ao assalto dos grandes bancos aos recursos públicos e privados, e em que os paraísos fiscais são os refúgios dos grandes salafrários. Em nosso caso, a reforma do sistema partidário e eleitoral, de forma a dar mais legitimidade ao voto, é um dos passos exigidos. Uma medida necessária é mudar o acesso ao palanque eletrônico, de forma a impedir os acordos políticos que visam obter mais tempo para esta ou aquela coligação. E aceitar o financiamento público das campanhas, que sempre será mais transparente. É melhor que a campanha volte às ruas, no debate entre os candidatos e os eleitores, sem a interferência dos especialistas em maquiar faces e idéias.
Acusação e defesa
por Jânio de Freitas
Numerosas contestações pareceram
muito mais convincentes do que as respectivas acusações.
Os advogados que até agora
atuaram no julgamento do mensalão não merecem menos aplauso e defesa do que têm
recebido, com fartura, o procurador-geral e acusador Roberto Gurgel. Não
bastando que sua tarefa seja mais árdua, os defensores são alvos, digamos, de
uma má vontade bem refletida na imprensa, por se contraporem à animosidade da
opinião pública contra os seus clientes.
Ainda que não assegurem,
necessariamente, a inocência de tal ou qual acusado, numerosas contestações
pareceram muito mais convincentes, em pontos importantes, do que as respectivas
acusações.
Na maioria desses casos, a defesa
se mostrou mais apoiada do que a acusação em testemunhos e depoimentos tomados
pelo inquérito, assim como em documentos e fatos provados ou comprováveis.
Com isso, outros pontos
importantes da acusação estão ainda mais em aberto. É o caso, crucial, do
mensalão como múltiplos pagamentos para assegurar votos ao governo na Câmara ou
como dinheiro para gastos de campanha eleitoral.
A acusação não comprova a
correspondência entre as quantias entregues a deputados e os votos na Câmara.
Nem, sobretudo, a relação entre os pagamentos com valores tão diferentes e os
votos que teriam o mesmo peso na contagem.
Não fica resolvida também, na
acusação, a afirmada finalidade de compra de votos na Câmara e o dinheiro dado,
por exemplo, aos leais deputados petistas Professor Luizinho e João Paulo
Cunha, entre outros bem comportados aliados do governo também agraciados.
E houve, ainda, dinheiro
destinado a seções partidárias estaduais, que nada tinham a ver com votações de
interesse federal.
A afirmação de compra de votos,
sustentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, foi tomada à CPI dos Correios
por seu antecessor, Antonio Fernando de Souza, para formular a denúncia ao
Supremo Tribunal Federal, há cinco anos.
A afirmação prevaleceu na CPI,
porém, por conveniência política da oposição, e não porque os fatos apurados a
comprovassem. Acertos de campanha eram muito mais coerentes com o constatado
pela CPI. E já figuravam nas acusações de Roberto Jefferson, quando admitiu
também haver recebido do PT, para o PTB e para candidatos petebistas.
Outro exemplo de afirmação
fundamental e em aberto, porque construída de palavras e não de comprovações,
está na acusação agora apresentada por Roberto Gurgel ao STF: "Foi José
Dirceu quem idealizou o sistema ilícito de formação da base parlamentar de
apoio ao governo mediante pagamento de vantagens indevidas" - e segue.
Seriam indispensáveis a indicação
de como o procurador-geral soube da autoria e a comprovação de que José Dirceu
"idealizou" o "sistema ilícito". Não só por se tratar de
acusação com gravidade extrema.
Ocorre que o "sistema
ilícito" foi aplicado já em 1998 por Marcos Valério, com suas agências de
publicidade, e pelo Banco Rural para a frustrada reeleição de Eduardo Azeredo
ao governo de Minas. Foi o chamado "mensalão do PSDB", descrito pela
repórter Daniela Pinheiro, como já indicado aqui, na revista "piauí"
deste mês.
Logo, para dar fundamento às
palavras do procurador-geral Roberto Gurgel, só admitindo-se que José Dirceu
"idealizou" tudo uns cinco anos antes do mensalão do PT. E, melhor
ainda, que "idealizou" o "sistema ilícito" para beneficiar
o PSDB de Eduardo Azeredo, hoje senador ainda peessedebista.
Os votos dos ministros do Supremo
não suscitam expectativa só por carregarem consigo a absolvição e a condenação,
mas pela maneira como encarem as divergências perturbadoras entre acusação e
defesas.
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