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Monday, December 10, 2012

Eu, idiota





Agora somos o verão, o dezembro, o fim do ano, o fim de um ciclo imaginário. Ano que vem será tudo diferente e bom, o sol nascerá mais forte do que nunca. Paz e prosperidade serão fiéis vingadoras da sociedade. Por conta da lei dos homens, parece que o expediente termina mais cedo: ruas mais cheias debaixo de céu claro, filas e filas, gente correndo para os shopping centers porque perder as promoções é inaceitável. As contas-correntes vão bem; se não forem, o cheque especial não deixa mentir. Enquanto isso, na sala de jantar as pessoas estão ocupadas em nascer e morrer. Enquanto isso, anoitece em certas regiões. Enquanto isso, as manchetes de jornais e revistas vulgares apregoam práticas cada vez mais indesejáveis para uma conduta em vida social: dane-se o próximo, dane-se o pobre, só os fortes sobrevivem, a hipocrisia é essencial para o bem-viver. Sim, as coisas mudaram, é possível ver pobres com vários artigos nos carrinhos de supermercados, isso é bom, mas ainda falta muito. As pessoas que sofrem com a mendicância nas ruas, as pessoas que moram nas áreas de risco que certamente vão sofrer com as chuvas a caminho, as pessoas que fazem seus dias natimortos entre a fumaça de pedras de crack. Lembro-me de minha querida e amada mãe sempre a me dizer que o egoísmo era detestável e que eu deveria sempre estar longe dele; foi o que tentei fazer a vida inteira. E faço. Quando chega essa época de festas, sempre paro para pensar nas pessoas mais necessitadas, nas que mais sofrem. Não tenho interesse em grandes festas de Natal, gente comendo e bebendo até cair, gritos e música alta que nada tem a ver com o clima de reflexão e pensamento coletivo que deveria ser a tônica do dezembro. E não somente reflexão: deveria ser um tempo de atitude positiva para com o outro, não basta apenas sentir e lamentar pela bondade – fazer o bem está mais à frente, mais acima. Escrevo porque no tumulto de um shopping center lotado, ninguém há de me ouvir: alguém dirá que sou um idiota porque as pessoas ali presentes têm coisas mais importantes a fazer. Fazer o bem não tem a ver propriamente com a opção política, intelectual, religiosa ou social de cada um – ao menos, não deveria. O fato é que hoje somos tão próximos de um grande futuro, tão cheio de tecnologias, pequenos confortos e empolgantes modernidades que, por vezes, muitos se esquecem de valores essenciais: amizade, fraternidade, respeito, consideração, dignidade, tudo o que deveria ser tão comum e que é tão desprezado entre veículos e pedestres apressados, grandes liquidações em vitrines, camarotes VIP e outras futilidades que agora não sei dizer ao certo. Deveríamos praticar o bem e sermos mais fraternos porque isso condiz com a natureza humana, não o contrário. Sim, a realidade é cruel e bem diferente. Não me sinto confortável em poder jantar bem, com conforto, em minha quando penso que, debaixo da marquise de meu prédio, alguém passa fome, sede e tem dificuldades para tomar banho, ou mesmo ir ao banheiro. Para alguns, parece mais confortável dizer coisas como “são vagabundos irrecuperáveis” ou “eles querem ficar mesmo sem fazer nada”; ora, você que me lê por ora me daria a oportunidade de emprego se eu batesse em sua porta sujo, rasgado e com odor desagradável? É. Um dia todos seremos carne podre ou cinzas, todos iremos feder e desaparecer, todos seremos o nada diante do nada e há quem se julgue mais importante do que o outro. Escrevo porque é a melhor maneira de falar sozinho: eu, a tela e algum ruído por perto. Escrevo porque sou um idiota: é mais confortável do que parecer desumano a mim mesmo. Lá fora há um calor de verão. Pessoas contam nos dedos os segundos para correrem para suas casas confortáveis, onde não lerão nada de útil, não pensarão no próximo e sequer cogitarão idiotas como eu. Isso me conforta e alivia, ninguém sabe como. Chegaram as boas festas, todos sonham com um próspero ano novo e poucos sonham com o bem do outro.

pauloandel

2 comments:

Mariano P. Sousa said...

Paulo meu camarada!
a sociedade atual conforme as aparências e muitras atitudes ou a falta destas.sentem-se top,s
sendo artificiais.

Seu texto é sério e vedrdadeiro.
Abraço!

Roger de Sena said...

"Chegaram as boas festas, todos sonham com um próspero ano novo e poucos sonham com o bem do outro."
Um fecho de ouro num texto excelente!
Nesse ôba-ôba que é o dia-a-dia nas metrópoles, mostrar-se humano, pelo menos a si próprio, é um bálsamo.