Agora somos o verão, o dezembro,
o fim do ano, o fim de um ciclo imaginário. Ano que vem será tudo diferente e
bom, o sol nascerá mais forte do que nunca. Paz e prosperidade serão fiéis
vingadoras da sociedade. Por conta da lei dos homens, parece que o expediente
termina mais cedo: ruas mais cheias debaixo de céu claro, filas e filas, gente
correndo para os shopping centers
porque perder as promoções é inaceitável. As contas-correntes vão bem; se não
forem, o cheque especial não deixa mentir. Enquanto isso, na sala de jantar as
pessoas estão ocupadas em nascer e morrer. Enquanto isso, anoitece em certas
regiões. Enquanto isso, as manchetes de jornais e revistas vulgares apregoam
práticas cada vez mais indesejáveis para uma conduta em vida social: dane-se o
próximo, dane-se o pobre, só os fortes sobrevivem, a hipocrisia é essencial
para o bem-viver. Sim, as coisas mudaram, é possível ver pobres com vários
artigos nos carrinhos de supermercados, isso é bom, mas ainda falta muito. As pessoas
que sofrem com a mendicância nas ruas, as pessoas que moram nas áreas de risco
que certamente vão sofrer com as chuvas a caminho, as pessoas que fazem seus
dias natimortos entre a fumaça de pedras de crack. Lembro-me de minha querida e
amada mãe sempre a me dizer que o egoísmo era detestável e que eu deveria
sempre estar longe dele; foi o que tentei fazer a vida inteira. E faço. Quando
chega essa época de festas, sempre paro para pensar nas pessoas mais
necessitadas, nas que mais sofrem. Não tenho interesse em grandes festas de
Natal, gente comendo e bebendo até cair, gritos e música alta que nada tem a
ver com o clima de reflexão e pensamento coletivo que deveria ser a tônica do
dezembro. E não somente reflexão: deveria ser um tempo de atitude positiva para
com o outro, não basta apenas sentir e lamentar pela bondade – fazer o bem está
mais à frente, mais acima. Escrevo porque no tumulto de um shopping center lotado, ninguém há de me ouvir: alguém dirá que sou
um idiota porque as pessoas ali presentes têm coisas mais importantes a fazer.
Fazer o bem não tem a ver propriamente com a opção política, intelectual,
religiosa ou social de cada um – ao menos, não deveria. O fato é que hoje somos
tão próximos de um grande futuro, tão cheio de tecnologias, pequenos confortos
e empolgantes modernidades que, por vezes, muitos se esquecem de valores
essenciais: amizade, fraternidade, respeito, consideração, dignidade, tudo o
que deveria ser tão comum e que é tão desprezado entre veículos e pedestres
apressados, grandes liquidações em vitrines, camarotes VIP e outras futilidades
que agora não sei dizer ao certo. Deveríamos praticar o bem e sermos mais
fraternos porque isso condiz com a natureza humana, não o contrário. Sim, a
realidade é cruel e bem diferente. Não me sinto confortável em poder jantar
bem, com conforto, em minha quando penso que, debaixo da marquise de meu prédio,
alguém passa fome, sede e tem dificuldades para tomar banho, ou mesmo ir ao
banheiro. Para alguns, parece mais confortável dizer coisas como “são
vagabundos irrecuperáveis” ou “eles querem ficar mesmo sem fazer nada”; ora, você
que me lê por ora me daria a oportunidade de emprego se eu batesse em sua porta
sujo, rasgado e com odor desagradável? É. Um dia todos seremos carne podre ou
cinzas, todos iremos feder e desaparecer, todos seremos o nada diante do nada e
há quem se julgue mais importante do que o outro. Escrevo porque é a melhor
maneira de falar sozinho: eu, a tela e algum ruído por perto. Escrevo porque
sou um idiota: é mais confortável do que parecer desumano a mim mesmo. Lá fora
há um calor de verão. Pessoas contam nos dedos os segundos para correrem para
suas casas confortáveis, onde não lerão nada de útil, não pensarão no próximo e
sequer cogitarão idiotas como eu. Isso me conforta e alivia, ninguém sabe como.
Chegaram as boas festas, todos sonham com um próspero ano novo e poucos sonham
com o bem do outro.
pauloandel
2 comments:
Paulo meu camarada!
a sociedade atual conforme as aparências e muitras atitudes ou a falta destas.sentem-se top,s
sendo artificiais.
Seu texto é sério e vedrdadeiro.
Abraço!
"Chegaram as boas festas, todos sonham com um próspero ano novo e poucos sonham com o bem do outro."
Um fecho de ouro num texto excelente!
Nesse ôba-ôba que é o dia-a-dia nas metrópoles, mostrar-se humano, pelo menos a si próprio, é um bálsamo.
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