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Friday, September 28, 2012

Posto Seis, Prado Júnior e arredores



I

Haja o que houver, Copacabana é eterna. Quatro da tarde, as calçadas da avenida-mãe apinhadas, ir e vir de gentes de todos os planetas. Dois garotos completamente entorpecidos pelo crack passam apressados e são estandartes de um Brasil assustador, real e tristemente crescido. Dois nordestinos falam tão alto que até abafam o ruído dos cem mil veículos deslizando no asfalto. É Posto Seis.

Paro e penso num lanche. Kicê, onde certa vez Mick Hucknall, o cantor do Simply Red, deu uma banana para a imprensa: saiu pelos fundos do Othon, parou na esquina e pediu um caldo verde. Todo mundo achou normal, menos os repórteres, sempre a imaginarem ser acima do que realmente são. Djalma Ulrich, Miguel Lemos, Xavier da Silveira, tudo é um mundo.

Um misto-quente inigualável. Pão tostado, queimadinho, queijo e presunto de primeira, mais uma laranja batida. E o atendente não tira os olhos da moça ao lado, nem tão grande coisa assim mas absolutamente pegável (entendo que as mulheres não aceitem bem esta sentença). Um é pouco, acaba logo, peço outro. Dois é razoável. O preço é caro, quinze reais, agora sou turista e pago satisfeito. Lá está a moça a sorver seu último gole de suco-de-qualquer-coisa, o atendente louco para dançar um forró com ela a dois, nus, felizes. E eu ainda perco meu tempo com paixões inúteis...


II

Almirante Gonçalves. Outro dia mesmo parei por ali. Dez anos, talvez. Meio praça, meio rua, meio caos. Delicadezas poético-autofágicas de Copacabana.

A cidade-bairro parece um tanto esvaziada, talvez pelo frio, talvez pela sexta-feira ou a falta do pagamento nas contas bancárias. No fundo, frio mesmo. Mas é sempre bom revê-la. Depois de tantos anos, entendi que mudar ou não de Copacabana não faz diferença – o ideário local jamais sai de dentro de seus habitantes ou moradores ou vampiros urbanos.

Musicale da avenida Copacabana. Discos diversos. Alguns preços muito bons, outros muito ruins. Youssou N'Dour a três reais, captei no ato. Outro foi caro, mas eu já cobiçava há tempos: a versão dos Flaming Lips para “The dark side of the moon”. Férias. Meia-hora, uma hora inteira. Ainda gosto de música.

Ainda tentei pegar os últimos vestígios da Satisfaction, mas já tinha fechado às cinco da tarde.


III

Uma garota muito - mas muito! - gostosa e com uma cara de puta, melhor dizendo, garota de programa, desculpem a grosseria para espelhar realidade, está parada na entrada do condomínio Alaska. Não tenho como deixar de olhá-la e incrivelmente ela me sorri, devido aos meus trajes de índio urbano. Ela pode ter pensado que eu poderia ser um cliente em potencial. Dane-se, gostei assim mesmo. Mas era tudo fantasia: segundos depois, um Corsa (para alegria dos meus amigos dos tempos de faculdade) para em frente, buzina e ela corre para ver o namorado. Ou marido. Ou cafetão.

Alguém me disse que os gordinhos estão na moda. Poderia ser assim. Quem sabe?

Não sei explicar ao certo porque faço mais sucesso com as mulheres hoje, com 122 quilos, do que nos tempos em que era um exímio jogador de futebol de praia e corredor, 76 quilos. Não falam tanto de fitness e corpos sarados e sei-lá-o-quê?


IV

Paro numa lan house, os garotos não param de falar em suas máquinas e isso chama atenção. Vão aos locais do ramo como se estes fossem os shopping centers do século XXI. E os pais não querem turba de crianças em casa – eles têm mais o que não fazer, como por exemplo assistindo programas insípidos na tevê fechada, discutindo a relação, reclamando das contas a pagar ou traindo o companheiro-companheira-qualquer coisa com torpedos via celular.

Não gostei dos e-mails que li. Nem respondi.

Não gostei do que não vi. Faz falta.

Hora de jantar. Adeus, computador.


V

O outro tesouro bom de Copacabana: restaurantes a quilo abertos de noite. Ideal para rapazes que têm namorada há anos mas são profundamente solitários no começo da noite de sexta-feira - igual a tantos e tantos outros casais que, na verdade, são apenas duetos de solidão. Ou os que esperam amores impossíveis nesta primavera fria que não tem muito sentido, tipo o de um e-mail inútil. Mas é melhor do que ficar eternamente feito um panacão babando ao lado de quem dorme em muitas outras camas.

Outra garota morena alucinante de calça colante, do tipo que Caldeira faria piada. Coxas extraordinárias, super-bunda. Namorado fortão à mesa, de camiseta nestes tempos gelados, mostrando todo o bom resultado dos anabolizantes. Ou marido. Ou cafetão. Copacabana é sempre um um mural de grandes incógnitas.

Não coloco muita comida no prato. Por que será que estamos sempre comendo? Deve ser para aliviar a alma. Ou para pegar o primeiro táxi que venha pelo caminho, preferencialmente pagando o dobro do cobrado no taxímetro.


VI

Rua Ministro Viveiros de Castro, quase esquina com Prado Júnior. Posto Um.

“Art-Noveau da natureza, jazz!”.

Copacabana não me engana. Nem falha.

"A luz do grande prazer é irremediável neon".

O futuro é uma quase-noite de sexta-feira.

Dane-se a paixão. Fausto Fawcett sabe tudo. Djavan também.



Paulo-Roberto Andel

@pauloandel

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