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Thursday, March 22, 2012

OBRIGADO, JORGE



Morri várias vezes. Ressuscitei em todas. Sempre foi assim.

Tive medo de algo inevitável e certo, de tempo impreciso. Fica sempre a sensação de que ainda falta muita coisa para fazer – e pouca para sofrer.

Há pouco, cismei de ouvir a gravação de “Carinhoso” feita por Radamés Gnatalli, num disco que o junta a ninguém menos do que Severino Araújo.

Horas antes, de forma absolutamente surpreendente, revi um amigo querido em minha própria sala de trabalho, ele que não via pessoalmente há anos e que brevemente vai morar no exterior por outros anos. Fiquei contente e triste ao mesmo tempo, mesmo sendo tudo bom. Perdemos tempos demais em escritórios fechados enquanto a vida jorra em botecos, tabernas e demais logradouros vis.

No meio do caminho, revi fotos e coisas e gentes que não moram mais aqui, talvez em lugar nenhum além das divisas de um coração que bate por teimosia. Um computador vale por uma canção.

Um monodrama do Carlito, uma piada do Xuru, o Fred com sorriso efêmero típicos dos árabes de quem descende. Eu mesmo, criança de fralda, colo e chupeta. Tempos voam rasante em riste!

Por um instante, chorei. Morri.

Olhei para os lados e tudo parecia fim.

Num súbito, o celular tocou. Era uma mensagem de boas-vindas de uma instituição financeira. Sinal claro de que a vida persistia a todo vapor. Severino Araújo continua a toda.

Também tem Kamille, que me lembrou do aniversário de Jorge, que sentou praça na cavalaria. Quarenta anos de companhia em fitas cassete, discos, radinhos, um mundo. Minha lágrima secou, talvez. Jorge é força, é alegria, é vida a céu aberto. Jorge Benjor.

Mais tarde, escutarei Jards Macalé fazer das maldições um vulcão ao cantar a obra de Wally Salomão.

E não vou chorar.

Porque somos malditos, admiráveis e vivos, seja lá de qual forma for.

E a banda do Zé Pretinho nunca para de animar a festa.


Paulo-Roberto Andel


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