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Friday, March 30, 2012

DISSECANDO COPACABANA 1980-2012


 
1
Rafael vai ter um longo processo de recuperação que exigirá paciência. Prometi a mim mesmo que o veria vivo. Da última vez que estive no Copa D’or, houve um silêncio de morte quando Fred disse adeus. Havia uma chuvarada na saída da estação do metrô da Siqueira Campos, comprei um guarda-chuva de merda por inflacionados dez reais. Rafael quis ver o jogo, Michelle dormiu, deixei meu abraço. Em plena Figueiredo Magalhães, voltei à infância. Singing in the rain.

2
Edifício Caesarea. Penúltima casa de Fred, quase em frente ao Copa D´or.

3
Galeria Menescal, esfiha tradicional do Baalbeck. A iguaria continua a mesma. Não reconheço nenhum dos funcionários e procuro em algum lugar um sinal de vida do senhor árabe que era o dono em 1980. Duas esfihas de carne, uma coca-cola.

4
A Saraiva tomou o lugar da Sloper na Raimundo Correia, onde morava o mendigo Baiano e faziam festa de aniversário para ele. Em vez da Barbosa Freitas, um abominável Bradesco. Tiraram o Art Copacabana e puseram o nada. Cine Copacabana, academia de ginástica moderninha. Pelo menos o Cirandinha continua intacto. Debaixo de uma das marquises, garotos moradores de rua planejam os próximos passos: o prato de comida, o crack, um pequeno assalto. As farmácias são visíveis, Copacabana precisa disso. Decido caminhar na contramão dos carros, quero ver discos. Constante Ramos, uma loura de parar o trânsito me lembra quando eu era apaixonado por Eliane – o que não significa vantagem alguma, porque o bairro todo também era.

5
Algum burburinho perto da Djalma Ulrich, não sei dizer o motivo. Antes, Bolívar, as inevitáveis lembranças do Bonino´s e do Xuru.

6
Musicale. Foram meus concorrentes, a loja é boa, mas cara. Tem valor. Meddle, do Floyd, é a opção. Bau, o cavaquinista de Cesária Évora, também. Gosto de discos, desde os tempos da Billboard, que depois virou Modern Sound, que depois virou nada. Uma coletânea europeia de metal. Tudo faz sentido.

7
Atravesso a rua para talvez encontrar Epocler na delegacia. Espio, espio e sou vencido pela burrice: ele já não está ali, mudou de missão. Nova travessia, um sujeito com estampa de policial lancha um sanduíche vulgar no Bar Bico. Pensando bem, é um policial. Um garoto passa pela calçada completamente fora de órbita. Parece crack, lógico.

8
A terceira travessia. Um aprazível restaurante a quilo. Logo vejo uma morena linda e charmosa, acompanhada por um nórdico. As putas de Copacabana têm mais charme. Na fila do serviço, frango agridoce que experimento. A puta é linda, mas preciso jantar. Não conheço ninguém no restaurante e nem poderia ser diferente: agora sou um turista, um estrangeiro patético. Escolho uma mesa pequena para sentar sozinho. Mais à esquerda, ouço vozes anasaladas: “Eu faço gordinho, faço magrinho, alto, baixo, o que importa é homem”. Os timbres não enganam: três travestis afetadíssimos fazendo a social, jantando e planejando os próximos programas – ou amores, talvez. Moraes tinha que estar aqui para rir, ele gosta disso. Tenho que rir também do Astra Branco do Xuru e daquela velha história que nunca termina na rua Souza Lima – os dois garotos, as bicicletas, o flagrante. Isso tudo é muito, mas muito Copacabana.

9
Chove drasticamente, Maro está por perto e leva um tombo, mas não fico sabendo. Copacabana é estranheza, é ser alheio sem ser indiferente. Uma pena. Não tem Fred, nem Xuru, nem Epocler. Nem Eliane. Nem Marco, Luiz Octávio, Jorge Pinto. Copacabana é minha solidão humana em preto e branco revestida em sépia.

10
Edifício Igrejinha. Minha mãe morou ali no começo de seu sofrimento.

11
O velho 126 agora é meu 434. Gelado e vazio. A avenida Copacabana completamente molhada. Sempre terei pena dos moradores de rua que não merecem isso. Ninguém morreu: a cada prédio, a cada passado, a cada espiada, Copacabana me move. Daqui a pouco eu volto.


Paulo-Roberto Andel

5 comments:

Roger de Sena said...

Gostei!
A "minha" Copacabana foi a dos anos 70 (1971 a 1976, pra ser mais específico) - final da adolescência, até pouco depois da morte de minha mãe, em frente à Modern Sound.
Viajei nessa tua crônica! Daí sai mais um livro! Sai? :)
Abraço!
P.S.: Tinha quase certeza de que já era seguidor aqui...

Flávio Jacobsen said...

Muito bom. Deu saudade.

Flávio Jacobsen said...

MUito legal! Deu saudade.

Claudia Daflon Coelho said...

Que saudades vc me causou agora...

Claudia Daflon Coelho said...

Que saudades vc me fez sentir...