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Friday, December 09, 2011

SOBRE HORACE SILVER E O CAOS



RUSH

A estupidez é franca e se mostra com todo vigor nesta sociedade que julgamos ser moderna. Reitero: onde está a modernidade? Se deixamos de respeitar o próximo, de cuidar do planeta, de pensar no verdadeiro caos que se apresenta por conta das grandes desigualdades, como somos capazes de enxergar a modernidade? Basta apenas um i-phone, uma tv plana e seremos honestos com nossa felicidade? O que fazer com os ódios, os preconceitos, as manifestações racistas, a subversão dos oprimidos, a ânsia de submeter o ser ao ter? Simplesmente varrer para debaixo do tapete e se esconder num condomínio confortável com câmeras 24 horas? Esperar que o capital promova o progresso social que não foi conseguido até agora, atravessando séculos? Deixar que tudo se limite a mesas de bar como último refúgio do suposto conceito de amizade social – bar é bom, mas a amizade precisa ser algo mais do que beber até cair. Os computadores aí estão e são bem-vindos, mas eles não significam a erudição automática: não há como prescindir de estudo e leitura, mas o que menos se faz pelas cidades afora é estudar e ler. Dizem que vivemos num mundo muito audiovisual hoje, de modo que a leitura perdeu interesse. Acho muito estranho: ler permite chegar a mundos que os olhos não enxergam sem a mente a trabalhar. Dentro de algumas horas, pessoas se acotovelarão em shopping centers. O trânsito será infernal e não haverá um centímetro disponível nos transportes de massa, sempre aquém das necessidades populares. Pessoas assistirão mais um capitulo de novela em suas salas e quartos, mas não haverá diálogo familiar e elas serão solitárias como nunca. Parece evidente que a revolução não será transmitida pela televisão, tal como certo poeta ensinou, mas estamos ocupados demais para qualquer reflexão de qualidade. Batalhões de estranhos a se deslocar pelas orlas, ruas, alamedas e demais espaços, sem qualquer afinidade ou apreço entre si. Alguém vai se divertir. Muitos rirão mais tarde, mas quase ninguém com o coração. Estranho mundo moderno.

 
RASCUNHO SOBRE HORACE SILVER

um homem está seduzido
pelo âmbar da morte

e faz do acostamento
o seu berço esplêndido
 
envolto num plástico azul
e com os pés descalços
 
ele é o protagonista
num programa de tv

enquanto leio o monodrama
pela ducentésima vez
 
e ouço as notas delicadas
que Horace Silver toca

à tela, um acidente de carro
garrafas quebradas, vidro moído

e uma sobrevivente seminua e ébria
tentando recitar o inexplicável

no disco, as pessoas aplaudem
outro solo de Horace Silver

“Let´s take any cool eyes” floresce
recordando Newport no ano de 1958
 
a morte do homem e seus pés descalços
são sinais de mera importante audiência

enquanto meu sono está no exílio
em certa embaixada distante
 
a solidão é recato e me conforta:
degusto a noite e seu desencontro
 
fugaz, a tal ponto que a insônia
me parece admirável companhia

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