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Tuesday, September 20, 2011

ELEFANTE




Eu sempre quis ter um elefante quando era criança; ou seja, quando se sonha.

Mais tarde, subvertendo a idade, continuei sonhando até outro dia.

Ter um elefante, um hipopótamo, um leão.

Acho que deve ser coisa de criança. Talvez eu tenha sido criança até muito depois do devido, quando a vida já deveria ter-se tornado chata, séria, fria e matematicamente cruel. Adiei o inadiável e pode ser que a razão me pertencesse.

Enquanto os outros estavam - e estão - obcecados por carros, imóveis, viagens, produtos importados e sofisticações eletrônicas, loucamente eu continuo com o sonho de ter um elefante.

Alguns podem pensar que seria porque, para se ter um bicho assim, é necessário licença, poder, dinheiro, múltiplas condições.

Não.

Eu não tenho o menor interesse nessas coisas. A algumas delas, eu até ofereço desprezo.

Ontem mesmo disse ao meu chefe que, se não precisasse pagar minhas contas mensais e se a empresa onde trabalho um dia precisasse, eu não faria questão de salário.

Ter um elefante talvez fosse para lembrar dos tempos em que meus pais ainda me carregavam pela mão, no zoológico, onde tudo era diferente e tinha a saudável aragem do futuro. Ou talvez porque o elefante é simpático, grandão, divertido. Ou porque ele passa uma imagem de paz e infância como poucas outras no mundo.

Eu queria ter um elefante. Eu queria mudar minha rua, meu bairro, minha cidade.

Eu queria mudar meu time de futebol para cada vez melhor.

O meu país.

O problema é estar longe, muito longe disso tudo.

Mataram a rua da minha infância para o progresso de Copacabana. Estou longe dos tempos em que podia ir tranquilamente no zológico sem ter medo do presente. Nunca mais meus pais me deram as mãos.

O duro de ser adulto está em enxergar a inevitável crueza desta passagem chamada vida. Muitos choram e sofrem, poucos se preocupam.

Tanta gente a matar e morrer por nada e eu só queria ter um elefante.

Tanta gente a chorar pela fome e miséria enquanto a nauseante indiferença persiste nas ruas das grandes capitais, mas eu só queria um elefante.

Morto-vivo, deslizo pelas páginas da vida cotidiana buscando um sonho impossível. É o que me resta; melhor dizendo, o que me basta.

Ontem, flanando pela cidade vizinha, revi um amigo querido que não via há muitos anos. Em sentido figurado, era como rever o elefante no zoológico: uma gota de alegria.

Um dia, hei de também rever o bicho gigante em algum lugar com meus mesmos olhos idos de criança. Onde, não sei.


Paulo-Roberto Andel

1 comment:

Nelson Borges said...

Eu queria dirigir. Adorava carrinhos. E não perdia um episódio do Speed.

Voava no meu velocípede, pulava rampas e rasgava as ruas com a minha bicicleta, às vezes rasgava uma ou outra parte do corpo também, mas tudo pela velocidade.

Sonhava em ter um mini buggy.

Hoje venho de ônibus, volto de trem e quase imploro à minha esposa para dirigir nos finais de semana.

Não se ter mais engarrafamentos ou ter um elefante, o que é mais provável?

Quanto ao seu time melhorar...

...acho mais fácil o elefante.

Só para provocar.

Abraços