(Baby, all I need is a shot in the arm)
É que continuamos os mesmos em nossa sede vã de liberdade que, no fundo, esconde individualismo e indiferença. Cada vez mais a tecnologia avança e somos mais atrasados, mais rústicos, mais desapegados de certa humanidade que seria essencial nessa terra estranha, para onde se vem e de onde se vai sem o menor sentido. Depois de amanhã, o mundo vai parar por causa da tragédia das torres. Uma guerra onde só há derrotados: os mortos, os oprimidos. Para vingar o desastre de 11/09, quantas pessoas foram assassinadas, torturadas, estupradas e vilipediadas no Oriente? O petróleo roubado, as armas químicas em massa, a desconfiança; o temor nos aeroportos e, longe destes (ou mesmo muito perto), os grotões de miséria que compõem a grande parte do que se convencionou chamar de população humana. Continuamos os mesmos: uns escravizam outros, com ou sem códigos, com ou sem regras. Somos a essência da estupidez que incensou perseguições e teve como pavorosa resposta aqueles dois aviões explodindo os prédios. Assassinar três mil, vinte e cinco mil ou dois milhões não é nada para a perversidade humana. Há dez anos, eu tinha família, achava que tinha amigos, achava que tinha futuro e tentava entender porque o Xuru ria depois de mais uma cirurgia, que parecia tão simples como noutras vezes mas acabou sendo tão cruel. Há dez anos eu tinha algumas dívidas, muitas expectativas e ainda acreditava no ser humano como pensamento em massa. Há dez anos talvez o mundo tivesse chance de ser mais mundo. Eu tinha raiva de como as coisas eram conduzidas em meu país e hoje isso mundou um pouco; a vida de muita gente ficou menos pior, e isso me conforta. Mas é pouco. Muito pouco. Tecnologias, dinheiros, prazeres e gostos que sempre vão ser restritos à ínfima amostra da população, enquanto o resto vive de dia para conseguir o sono e dorme para esperar o próximo dia. Vão. Tudo em vão. Eu não tenho mais nada, exceto a certeza de dez anos perdidos e sofridos. Meu olhar se perde no espelho velho de um banheiro. Os cabelos são tomados aos poucos pelo branco. Mal tropeço ou estalo os dedos e me surgem as lembranças admiráveis de quando eu tinha vida pela frente - foi outro dia, mas agora é tão desaparecido quanto tudo o que escapou de minhas mãos. Enfim, depois de amanhã vão celebrar os dez anos de horror e morte na cidade de Nova York para que nunca mais esqueçamos daquele dia pavoroso. Meu maior problema é que, ao lado daquele mesmo dia, passaram outros três mil, seiscentos e quarenta e nove outros dias - e, a cada vez que vi a dor, o drama, a miséria, a violência e o horror contidos em cada um deles, jamais fui capaz de captar algum sentido na vida. Vivamos até a próxima refeição, o próximo programa de TV a cabo ou a internet que nos junta a milhões de pessoas para nos diplomar bachareis da solidão. Vivamos até o próximo consumismo barato dos shopping centers; a nova cena da novela; a mentira dos supertimes ou o mais novo político ou grupo que realmente mostra ares de combate à corrupção. Vivamos até o próximo botequim cheio de gente mas vazio de assuntos, ou as pessoas massacradas na covardia do mau transporte público de massa. Vivamos para nos esconder da vida e usar as religiões como um saboroso cartão bancário: você paga, terá crédito no futuro. O sentido talvez seja esse: o de esperar o futuro, o que vem depois da luz no fim do túnel, se luz houver. Porque o presente, esse sim, não faz sentido algum.
Paulo-Roberto Andel, 09/09/2011
1 comment:
Texto irretocável!!! O mesmo não posso dizer do meu "android". Saudade de você...
Paulinho,sua bela crônica me fez lembrar a "paúra" que tomava conta de mim três meses após o atentado, quando viajei pra "lá" para o mascimento da Leticia. Desconfiava até do piloto. :)
Semana que vem, planos à mesa, né? :)
Beijocas
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