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Friday, September 28, 2007

Nos tempos da laranja

Domingo passado, repeti um velho ritual que me acompanha há cerca de trinta anos, que é o de ver o meu amado Fluminense no Maracanã. Mais de quinhentos jogos in loco. Comecei nisso em tempos onde ainda era criança de colo, e lá estou eu, por hoje, com meus cem quilos, nas velhas cadeiras e arquibancadas do quase sexagenário estádio.
De uns tempos para cá, virou moda falar mal do Maracanã. Tem que derrubar. É uma porcaria. Velho. Retocado de enfeite. Tudo balela de quem nunca viveu a dor e glória de uma vitória ou derrota no estádio.
Algumas cousas realmente mudaram. Umas para melhor. Outras, não.
Noutros tempos, eu, pequenino de metro e meio, criança imberbe, comprava facilmente num guichê o ingresso para a partida das cinco da tarde. Quando divulgavam o público, havia mais de cem mil pagantes. Reconheço que não havia televisão na concorrência dos jogos; contudo, seria fácil atrair o torcedor colocando ingressos mais baratos, acessíveis ao povo. E sem precisar de uma hora na fila. Basta organizar. E nada de sacanagem.
O futebol mudou muito, mas creio que, em alguns lances, é possível ver resquícios do que, um dia, foi o nosso grande amor, o nosso colosso da vida brasileira.
Acho o chamado Engenhão uma obra-prima, bonito, faceiro. Porém, quando não havia Maracanã, o palco carioca dos jogos era o belíssimo estádio de São Januário, até 1949. Em 50, vieram a Copa e a tragédia nacional que, em vez de nos soterrar para sempre, levou-nos aos cinco títulos mundiais. Seis, porque a seleção de 82 foi mais campeã do mundo do que a Inglaterra de 66 ou a Alemanha de 90, por exemplo. Voltando, fizeram o Maracanã e então todos os clássicos daqui passaram a ter sua casa lá. Era outra estrutura e os jogos abarrotavam.
Hoje tem violência, tem ingresso caro, tem mau futebol. Mas ele, futebol, é amor do carioca. E não vejo sentido em se colocar clássicos, nossa marca bonita dessa cidade, em São Januário e nem no Engenhão. Jogo de cores e torcidas é no Maracanã, com todo respeito às arenas menores.
Outra coisa me chamou atenção, caminhando pelas cadeiras azuis.
Vinte e cinco anos atrás, cadeira era mais cara que arquibancada. Ali, frequentavam os torcedores de "carro" e prestígio. Imagino que fosse o dobro do preço: eu, menino, economizava a mesada para ir em cima, ou na boa e velha geral, onde tantas gargalhadas dei.
Vi calmaria e civilidade, fluminenses e botafogos andando abraçados, brincando, sem essa coisa torpe de inimizade, de destruição. Maracanã é para gritar canções de amor, mesmo que tenha um palavrãozinho ou fânqui. Famílias, crianças, namorados. Uma coisa me faltou ali entretanto: pobre.
Falta pobre no Maracanã como antigamente, pobre de verdade e não classe média esmagada. O ingresso mais barato é de dez reais, e isso impede muita gente de ir. No tempo da laranja não era assim.
Meu pai me puxava pela mão. Vínhamos de Copacabana. Não sei ao certo a razão, mas tomávamos o trem na Central do Brasil. Saltava-se em Derby Club. Rampa descida, com a multidão de gentes, ao pé do caminho tinha sempre o primeiro de muitos vendedores de laranjas. Você podia escolher: inteira, cortada ou descascada. Acho que as tarifas eram diferentes para cada caso.
No acesso à geral, era um verdadeiro mercado cítrico. Para todos os lados. Eu sempre dava a volta para chegar até a rampa do Bellini, e lembro de muitos geraldinos - apelido dos então frequentadores do setor - comprando as suculentas laranjas. Eu também pedia uma ao pai. Agora, não me perguntem porque laranja era coisa pobre naqueles tempos, pois hoje em dia é bem cara. E, justamente agora que ficou cara e, consequentemente, mais ao gosto do atual público do Maracanã, ela sumiu. Ninguém vende. Só churrasquinhos, cachorros podrões, cerveja e refrigerantes. Nada de fruta.
E, por faltar genuinamente a figura do pobre no estádio, mais o nefasto horário de dezoito horas e dez minutos, a nós imposto pela audiência televisiva da cidade de São Paulo, mais a dificuldade incrível de se adquirir ingressos no Maracanã, entraram trinta mil pessoas, umas vinte mil pagando, quando se podia ter oitenta mil.
Tem algo errado.
Parece a história do sujeito que chega no hospital público (pode ser privado também) com o braço quebrado e, para "salvar a vida do paciente", algum médico desses que gostam de festas na cobertura do Souza Aguiar diz:
- Amputa!
Em vez de trazer a torcida de volta para o estádio, cogita-se jogar num campo menor.
Sou justo. Os banheiros melhoraram, os assentos também. O telão é bonito, mas quase inútil, pois reproduz praticamente o que se passa no jogo. Ridículo é também quando escalam um jogador cuja "figurinha" não foi ainda entregue aos Suderjes. Resultado: nome do craque com uma cabecinha em branco, parecida com ausência de foto no Orkut.
Do jogo, falo pouco. Um massacre Tricolor no primeiro tempo, digno de goleada histórica. No segundo, calmaria e um Botafogo apático a ponto de, na continuação da jornada, ter levado a chinelada ontem do River Plate na Argentina. Bons os Thiagos, mais o Silva. Não precisou muito, vitória justa de Laranjeiras.
Na saída, peguei meu táxi.
E deu saudade danada de voltar ao Derby Club e, antes, comprar uma descascada laranja.
Paulo-Roberto Andel, 28/09/2007

1 comment:

Ção said...

Adorei! Bonito e saudosamente triste...Mas é bom termos belas lembranças. bjo.