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Thursday, February 23, 2023

verão no rio

Tá calor. Três da manhã. Lanchei baguete com guaraná. Não consegui dormir. Eu nunca mais dormi direito. Tudo bem: quando morrer eu descanso. Começou o ano novo. E daí? Os dias são todos iguais para os oprimidos: você luta para sobreviver. Justamente hoje preciso acordar mais cedo, tenho reunião de trabalho. Justamente hoje, quando me vi em Dakar ou noutra terra de horizonte limpo e nenhuma alma à vista. Pelo menos falei com minhas amigas de muito tempo, todos ainda sob a tristeza pelo Renato. Escrevi quase todo o final do livro. Espero ter ganhado na Lotofácil e escapar do caos, mas só vou conferir os cartões amanhã. Ouvi Duran Duran, como em quase todos os dias. Beach Boys também, "Good Vibrations". All of us need this! Recebi propostas ridículas de emprego home office. Nenhum cliente para livros novos. Na loja, o cliente quer raridades do Pink Floyd. Eu rio nervoso. Conversei com o Piccoli. Também com Bosisio. Com Robertinho. Conto carneirinhos. Eu não durmo de nervoso, de muito nervoso, porque tem uma guilhotina sedenta pela minha cabeça ensanguentada e preciso fugir. Oh, phod3u! O primeiro gênio da insensibilidade vai me chamar de suicida. Quase todo mundo vai procurar o significado literal destas linhas e aí está o erro: não há. Só 10% é verdade. É tudo verdade ou não. Ah, sim, Gabriella estava muito bonita na foto. Não, essa não é uma boa explicação: ela é bonita independentemente da foto. Falei com o Piccoli sobre o Didi e a Adriane, quanto tempo! Sign of the times! Tá calor. Três e vinte. Os minutos escorrem, escorrem. Dizem que é uma dádiva, ok. Talvez ainda escreva hoje sobre o Fluminense, porque é o único refúgio fácil de humanidade que me resta: abrir as cortinas do passado. Agora eu penso em Fred, em Luiz Magno, naquele apartamento junkie rock da Figueiredo Magalhães que eu sempre considerei uma casa, mesmo nunca tendo dormido por lá. Eu nunca mais encontrei minha casa. Fred e Magno estão profundamente mortos, mas eles vivem comigo, penso neles, meus amigos tão longe daqui. Eram jovens demais. Naquela casa eu rascunhei meus primeiros passos pelo mundo, ouvi Kraftwerk e Mercyful Fate. Olhei o lindo par de olhos da Claudia, Fred teve ciúmes e ri. Lembrei da janela da sala, quando certa vez um vaso de plantas explodiu aos meus pés do outro lado da rua, fiquei preto de terra do pescoço ao tornozelo e os imbecis riram na rua. No fim, falei todas essas coisas sem a menor necessidade de que alguém ouça ou leia, porque é dever do cronista falar sozinho na frente de todo mundo. Depois, ninguém liga ou se lembra: somos muito impessoais, nossos umbigos tomam tempo demais. É, amigo, é difícil ter quem estenda os braços a quem procura abrigo. Na madrugada das silenciosas tragédias anunciadas, escrever é se sentir vivo, mesmo dizendo coisas insignificantes. Daqui a pouco é um novo dia, muitos serão explorados no talo, mas isso fica para outro momento. Outro. Outro. 

Outro.

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