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Thursday, January 19, 2023

Renda nacional, país dos hipócritas

É certo que Marina Silva cometeu um equívoco em Davos, quando afirmou que 120 milhões de brasileiros passavam fome, retificado em sua fala no dia seguinte. Mas, claro, a hipocrisia brasileira não poderia falhar numa hora dessas, tentando criar uma crise a respeito imediatamente repercutida pela imprensa de baixo calão, representada por esgotos jornalísticos como a Revista (?) Oeste, Antagonista e congêneres.

Na verdade, um prato cheio para abafar o escândalo dos 40 bilhões do Caso Americanas, que tem desdobramentos imediatos na privatização da Eletrobras. 

Vejamos. O salário mínimo atual tem o valor de R$ 1.302,00, diária de R$ 43,20 e, se imaginarmos três turnos, equivalentes a manhã, tarde e noite - ou café, almoço e janta -, R$ 14,47. Evidentemente, nenhuma pessoa que ganhe salário mínimo dispõe desse valor exclusivamente para refeições, já que certamente tem outras despesas, além de contribuir para o sustento da família. 

Em novembro passado, pesquisa da LCA Consultores sobre dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios) do IBGE (uma das mais dinâmicas e eficientes do mundo) indicou que, dos 97,6 milhões de ocupados do país, 35,63% recebiam no máximo um salário mínimo. Outros 31,56% ganhavam entre 1 e 2 salários mínimos. Importante frisar: o Brasil tem 214,3 milhões de habitantes, ou seja, o percentual da população ocupada brasileira está na faixa dos 45%. Os outros 55% são, de alguma forma, dependentes dos ocupados. Não é necessário nenhum cálculo sofisticado para se perceber a tragédia de um país continental onde metade da população possui renda insuficiente para o consumo mínimo e, com isso, estagnando o processo econômico - sem maiores preocupações para parte da classe empresarial, que simplesmente despreza a necessidade de sobrevivência de milhões de brasileiros. 

Lembra daqueles R$ 14,47 por turno para o trabalhador? Eles não são apenas para a alimentação, mas para tudo. São 69 milhões de famílias no Brasil, de acordo com dados da POF 2018 (Pesquisa de Orçamentos Familiares, divulgada antes da pandemia e, por isso mesmo, com dados menos graves). No mesmo trabalho, 2,7% das famílias brasileiras detinham cerca de 20% do dinheiro circulante no país, enquanto 23,9% ficavam com apenas 5%. 

Mais de 33 milhões de brasileiros sofrem de insegurança alimentar crônica. Traduzindo: pessoas que, ao almoçar, não têm certeza de que irão jantar. 

Dados Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgados em julho de 2022, indicavam que a quantidade de brasileiros que enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões. 

O erro de informação de Marina não foi crasso. O esmagamento econômico do Brasil foi tamanho que, mesmo se excluindo a população abaixo da linha da pobreza, há um número enorme de brasileiros que, mesmo ocupados informal ou formalmente, não conseguem consumir minimamente e, embora não passem fome, estão sempre à beira disso. 

Ontem, 21,9 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil começaram a receber R$ 600,00. Exatos R$ 20,00 por dia, R$ 7,00 por turno. 

Preço médio do litro de leite hoje no Rio de Janeiro: R$ 5,97. 

@pauloandel 

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