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Thursday, April 21, 2022

Na Carioca

DEPOIS de bater um misto quente com suco de laranja na Senador Dantas, desci pela escada da Estação Carioca e, num súbito, espiei o quiosque de empadinhas e pão de queijo.

Foi quando lembrei de uma história de anos. Exatamente ali funcionava um outro quiosque, de chope. Eu bebericava e espiava um livro de Kerouac. Foi em plena Copa do Mundo, talvez depois de um jogo do Brasil. A Estação estava cheia de ir e vir, mas no quiosque eu era o único cliente. 

Em certo momento chegou um casal. Quero dizer, um homem e uma mulher que pareciam ter marcado um encontro ali. Num olho eu espiava as loucuras de Kerouac; noutro, o casal ou a dupla. 

A mulher era jovem e muito bonita. Parecia ter olhos claros, cabelos também. O homem parecia mais velho, embora nem tanto. Não era bonito, mas devia ter charme - a jovem não parava de olhá-lo enquanto conversavam. 

Houve uma hora em que ele pegou na mão da moça, mas a mesa fazia a distância regulamentar da idade. E eu feito um boboca, espiando a vida dos outros enquanto Kerouac falava da bondade na Terra e das alucinantes festas beat. Será que eram amantes? Sou um boboca. 

De repente, a conversa ficou escassa. Parecia haver um mal entendido. A mulher ficou séria, calada. O homem falava, falava e também sorvia um chope. Eu, que não sou fofoqueiro mas curioso, pedi mais uma tulipa. 

Ele pediu a conta, pagou e os dois se levantaram. Mais à frente, pararam na mureta da Estação. Ela falou algo, ele a puxou, ficaram abraçados e plaft, pensei: o cara se deu bem, porque a garota era um espetáculo. Beijo, beijo? Não, não teve. Ela foi em direção à catraca eletrônica, ele voltou lentamente a caminho da escada, a mesma que desci só lembrar de tudo isso. Seu charme tinha virado uma impressão triste. 

Até aqui eu poderia parecer apenas um bisbilhoteiro, mas não era o caso e sim apenas um simpatizante daquele casal que não aconteceu. Fui um torcedor do amor, aquele que nasce e morre nas conversas, nos quiosques, nas festas e shows, na velha conversa de portão, em qualquer lugar. Torcer para que terceiros sejam felizes. Nunca mais os verei, mas acho que mereciam trocar um beijo que talvez só tenha existido na minha cabeça.

No palco do amor fracassado, restam empadinhas saborosas. Ninguém desconfia de nada. Só eu sei e isso é engraçado, mas tem tristeza também. 

@pauloandel

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