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Wednesday, January 12, 2022

paladino

1

Saí sem rumo do trabalho depois de mais um dia triste, no coração estilhaçado da cidade. Poderia ter ido para casa ou caminhar nas ruas vazias e melancólicas da minha vizinhança, mas preferi comer um sanduíche favorito no Paladino. 

Depois de tanto matutar, percebi que parte de meu amor no VLT é que nele me sinto como se estivesse num parque de diversões. É uma volta imaginária à infância por cinco ou dez minutos. Estou acostumado a longas caminhadas quilométricas e poderia perfeitamente fazer tudo a pé. O VLT é prazer, é diversão, rápido também. 

Pego na Tiradentes, salto na Sete de Setembro, faço a baldeação e rapidamente faço a bela curva da Rio Branco com a Visconde de Inhaúma. Para minha surpresa, ainda tem algum movimento na rua escura. 

O Paladino é multicampeão em prêmios no Rio. É um bar de antigamente, muito antigamente, perfeito para gente inadequada e ultrapassada feito eu. Um armazém de 1907 com sanduíches, omeletes e chopes imperdíveis. Algumas mesas ocupadas, sendo a mais efusiva a ocupada por João do Cavaco e seus amigos, todos lamentando a morte de Nésio da Tradição, de Natal e da Portela. 

Numa outra mesa, um casal namorando. 

Meu sanduíche vem com uma Fanta Uva, que fica linda num copo cheio de gelo. Por cinco ou dez minutos esqueço as dores que me esfaqueiam 25 horas por dia. 

Lembrando noites com colegas do passado à mesa, o que jamais se repetirá. Ou lembrando o dia em que Sheila parou o bar com seu vestido black, deve ter sido em 2006 ou 2007.  Ou o dia em que convidamos Josi para um ensaio fotográfico nu no lançamento de nossa revista eletrônica, com o convidado dizendo "Se me chamam para este papel de Apolo, aceito" - e Catalano, ao saber que o ensaio seria realizado em sua empresa, gritou "VOCÊS ESTÃO LOUCOS?". O tempo varreu tudo, até as piadas e sorrisos. 

2

Rapidamente fecho a conta. Hora de ir embora. Agradeço ao garçom, deixo um abraço e vou para a estação. 

Sete e quinze da noite, somos eu, uma garota e um rapaz em todo o VLT. 

É estranho cruzar a Presidente Vargas e ver as pistas livres. 

3

Na porta da Di Santinni, na esquina da Rio Branco com Sete de Setembro, um rapaz em situação de rua está sentado no chão da calçada solitária. Não há ninguém ali além dele, de sua miséria retumbante e de meu testemunho dessa tragédia, algo que se repete desde criança e que sempre me entristeceu. É inaceitável que uma pessoa não tenha uma casa, algum conforto e algumas roupas para usar, mas em nome da livre iniciativa naturalizamos tudo isso. Nós, a miserável e hipócrita sociedade humana, que só olha para si e, quando muito, seus filhos. 

No deserto da Cinelândia pelo menos o Amarelinho brilha. É uma pequena luz de vela votiva em meio a todo esse breu. 

5

Desço a escada do metrô sozinho. Pouca gente passa nas roletas. Passada a euforia injustificada do ano novo, o que se vê é janeiro tímido, recolhido, daqueles que não vai deixar saudades. Aí está o COVID de vez.

Pela milésima vez, tiro uma foto do relógio da Mesbla. Nunca se sabe até quando o relógio estará lá ou alguém se interessará em fazer o registro. 

Logo vem o 247, velho personagem da minha literatura inútil. O rapaz dos doces é simpático, só não comprei desta vez porque eu só tinha uma nota de 50 e isso atrapalharia seu troco. Sempre que posso, compro. 

6

Nos últimos anos, tenho usado ônibus por no máximo um quilômetro. Às vezes faço baldeação para o metrô, noutras para o VLT, noutras vou de Uber. Na urgência, táxi.

Por breves minutos, o 247 me dá o prazer de andar de ônibus, o que sempre gostei. Claro, eu não era um proletário humilhado pelo vergonhoso sistema do Rio, mas um garoto (não) privilegiado de Copacabana, que percorria distâncias curtas. É que ônibus me lembra companhia, Maracanã e até mesmo a maravilhosa ilusão da amizade - a gente pensa que todo mundo é amigo, mas eles sobram nos cinco dedos de uma mão. 

Depois de saltar do 247, a setenta ou oitenta metros de casa, tudo fica definitivamente para trás, exceto a melancolia que, por vários motivos, não cabe aqui. A um verdadeiro cavalheiro só interessam as causas perdidas, disse Borges. Para Cioran, as causas já estão perdidas, e é duro admitir, mas ele parece estar certo muitos anos depois de sua morte. 

@pauloandel

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