Translate

Saturday, January 29, 2022

cinco minutos na Rodrigo Silva às seis da tarde de sexta

Noutros tempos a rua estaria apinhada de gente indo e vindo. Um exército de mulheres bonitas saindo de seus trabalhos dos mais variados. Bares lotando com a turba em busca de cerveja, petiscos e risadas. Vendedores de amendoim torradinho batalhando o sustento. 

Não é mais assim. Antes da pandemia, o golpe ceifou os empregos, faliu e lacrou lojas, esvaziou salas. Hoje são dez mil unidades fechadas, algo difícil de reverter sem políticas de geração de emprego, renda e crédito. Difícil. 

Bem no coração da cidade, na Sete de Setembro, o VLT vai e vem sem dar tempo de lembrar que o Bob's na entrada da Rodrigo Silva acabou. E quem há de se lembrar da Murray, que ficava na esquina com Assembleia e vendia discos fantásticos, sendo um local frequentado por ninguém menos do que o jovem João Gilberto? Tudo passou mas resta um fiapo de arte bem em frente do corner: uma banca de jornais cheia de CDs e LPs, nada propriamente tão barato mas interessante. Discos de Ornette Coleman e Zoot Sims, jazz seríssimo. 

A metros da banca fica o prédio que abriga a União dos Escoteiros do Brasil, por si só um endereço de referência para muitos garotos dos anos 1960 a 1990 - eu mesmo fui um deles e vivia ali. Vínhamos com orgulho de Copacabana pelo metrô recém inaugurado (fazendo a baldeação para Botafogo, é claro). Foram dez anos incríveis, dos poucos que tenho saudade. 

Se você caminhar em direção ao Buraco do Lume, vai se separar com um dos patrimônios da cidade, imponente há décadas e que superou até mesmo a pandemia: o Café Gaúcho. Funciona no térreo de um sobrado que no passado abrigava pintores dissidentes da Escola de Belas Artes, dentre eles craques como José Pancetti, Milton Dacosta e Eugênio Sigaud, que formavam o Núcleo Bernardelli. Cândido Portinari era de outro grupo mas vivia no Gaúcho também. Essencialmente é um bar para se frequentar cedo, beber em pé e comer sanduíches imperdíveis de pernil, carne assada e linguiça - e também tem caldos revitalizantes. Se a Cidade está vazia, o Gaúcho segue firme com lotação justa e fiéis caçadores do chope dourado da felicidade. 

Queria ter parado no clássico mas estava sozinho, então voltei para a Assembleia e pedi um filé com queijo do Pajé, que também tem décadas de bons serviços prestados. Acompanha uma soda limonada. O bar está vazio, o gerente me agradece pela presença. As coisas mudaram para pior.

Na hora de voltar para casa, desisto temporariamente e pego meu querido VLT para tomar um sundae no Santos Dumont. A viagem é linda e rápida. Lá chegando, vejo o palco de shows vazio no intervalo. Sigo para a lanchonete e sou surpreendido no atendimento: "O senhor me desculpe, mas só temos o garfinho de plástico: as colherem acabaram". Tudo bem. 

No saguão, a bossa nova recupera seu espaço no palco. No contrabaixo, um dos maiores músicos da Terra: Sérgio Barrozo, músico genial que tocou com N artistas da Bossa Nova, do Samba Jazz e mais um caminhão. Viu e viveu tudo de perto.  Quase todos os expectadores estão olhando inutilidades no smartphone, em vez de apreciar um dia nossos artistas geniais.

A noite no Rio ainda é bonita.

No comments: