Cinco da manhã bem no meio da Guanabara, chove e faz frio. Os trabalhadores vêm de longe em transportes precários que os desrespeitam. Muitos são informais, sem direitos nem garantias. Pelo longo caminho dos trens e ônibus, há muitas e muitas luzinhas de barracos, ocupações e drama. Pelo mesmo longo caminho o que não falta é gente sem rumo nem chão, abandonada pelo que se chama sociedade. Cinco da manhã de segunda-feira, na véspera do feriado do Dia das Crianças. Há frio e dor para quem pensa no próximo, há uma cidade devastada e também idiotas que romantizam a situação, acreditando ser autênticos quando não passam de otários. Esta é uma cidade cheia de talhos sem pontos, de cortes profundos, de opressão. Ainda no azul quase escuro do céu, as gentes que ainda podem se deslocar caminham para a sobrevivência diária, às vezes sem saber se haverá jantar ou amanhã. Tudo indica uma segunda-feira cinzenta e chuvosa, fazendo sofrer ainda mais quem está ao relento - e são milhares, milhares. O poder público oferece respostas lacônicas e programadas, os poderes particulares celebram a cidade devastada e rachada, os imbecis comemoram a rachadura para se sentir mais importantes - mas não são nada. Marmitas tilintam nas mochilas e bolsas, míseros trocados ocupam os bolsos, a fé preenche os discursos para os corações sofridos, mas a verdade é que nunca fomos tão infelizes, nunca a indiferença foi tão grande, nunca o ódio foi tão dantesco. Daqui a pouco a TV transmitirá as próximas vítimas de balas perdidas, os novos desaparecidos, os novos presos por erro de quem prendeu, os esquartejamentos, as novas notícias violentíssimas. Resta uma bala de hortelã para distrair o amargo da boca. Cinco horas e vinte e cinco minutos numa cidade cheia de histórias tristes, mas que ainda guarda beleza em todos os seus recantos, embora esteja em dívida permanente com seus cidadãos. É segunda-feira, começa uma nova semana, os corações solitários carregam para si o gris da paisagem, há muita luta e sacrifício, há fome e cansaço, há a certeza de que as ações precisam superar discursos ocos, tudo enquanto o grande silêncio das ruas tristes ainda é o maior vitorioso.
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