Você vê na televisão as festas piratas, a boemia jovem da Zona Sul, os tumultos localizados e a confusão no transporte de massa, mas acredite: afora isso, a cidade do Rio em sua maioria mais parece um feriado interminável, nublado, de gris tristonha.
Lojas fechadas, calçadas vazias, prédios que parecem abandonados. Dor, miséria, sofrimento. Perto da Praça Tiradentes, mendigos choram de fome - não há restos sequer na lata de lixo. O que já era uma injustiça social desumana ficou bem pior.
De outros bairros, parece que sequer existem: não aparecem nos noticiários, não recebem qualquer amparo, são ignorados. Mídia, só quando há um crime. Lembremos do Rocha, de Sampaio, do Jacaré, de Todos os Santos, Quintino, Pilates. Ricardo de Albuquerque. Jardim América. Inhaúma. São muitos.
Há anos, desde o golpe, o projeto subliminar de esmagar o Rio teve êxito. Afinal, aqui sempre residiu a voz crítica do país e o impulsionamento cultural - com todo respeito às outras localidades. Curiosamente, parte da população apoiou o projeto de destruição, elegendo em 2016 o pior prefeito do Rio e, em 2018, o pior presidente da República em todos os tempos. Deu no que deu.
A cidade agora conta suas moedas e tenta se reinventar. Com a tragédia da Covid19 em pleno ar, precisa se reinventar, ocupar os espaços, resgatar as pessoas, refazer o comércio e semear empregos. Uma tarefa muito dura. Seguimos torcendo. Junto a tudo isso, é preciso reavivar a cordialidade dos cariocas, a empatia, a solidariedade. Não temos a vocação do mal, precisamos derrotar a desumanidade.
Talvez o melhor caminho seja se apegar ao passado quase recente. Há exatos trinta anos, aconteceu o show histórico de Tom Jobim no Arpoador, tocando com sua Banda Nova para uma multidão em Ipanema. Não havia Covid19, o país era um caos - nada se comparado com agora - e os problemas eram muitos, mas um dos maiores cariocas de todos os tempos - Brasileiro em seu próprio nome - cantou as belezas - e as mazelas - da cidade para dezenas de milhares de pessoas. Foi uma noite histórica para o Rio e tomara que um dia algo semelhante volte a acontecer.
Uma das pérolas do cancioneiro de Tom é "O morro não tem vez" (quando derem vez ao morro/toda a cidade vai cantar). É de 1964, um ano difícil para se defender os oprimidos. A foto abaixo é de 1961. Sessenta anos depois, o morro ainda não teve vez, mas a luta continua nas redes de relacionamento, na conscientização, no debate, no aprendizado e na constatação de que, apesar de hoje ser o aniversário mais triste do Rio, é possível reverter a tragédia em que nos metemos - ou que nos meteram.
O Rio de Janeiro precisa dos cariocas, cariocas mesmo.
@pauloandel
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