Era fichinha nas noites de Carnaval de Copacabana - em que outro lugar poderia se pensar em alguém parecido, como se poderá entender? Esperava a hora dos grandes blocos e partia para o ataque. Roubava, furtava, mas sem agressividade ou violência, e só lhe interessava um único produto de roubo. Seu diferencial era que usava uma fantasia de cachorro quente, acreditem!
Rolando nem precisava roubar. Era um psicopata. Tinha renda e trabalhava. Sua obsessão pelo crime vinha apenas nas noites momescas. Em seu inconsciente também havia uma profunda admiração pelo ator Ney Latorraca, que já relatou inúmeras vezes que roubava na feira para comer quando era garoto. Para Rolando, não bastava o fascínio pelo talento de Ney: era preciso também reproduzi-lo no cenário down by law, que misturado à atmosfera kistch de Copacabana, resultaria num cômico vilão de Carnaval.
Seu maior problema era a atração por celulares vintage, os da primeira e segunda gerações, longe da era dos smartphones. Então roubar e furtar era algo ainda mais difícil: que vítima ainda usaria um celular sem internet em 2019 ou 2020? Isso lhe fez sair de Copacabana em busca da folia em outros bairros, noutros carnavais, aumentando seu espectro de captação de celulares velhos. Todo o produto do roubo era guardado em casa, numa escrivaninha das antigas, e naturalmente não era lá muita coisa, no máximo uns cinco aparelhos em cinco folias. Meus amigos, o miserê chegou até o mundo dos crimes exóticos, ainda mais para um ladrão que só se interessava por celulares arcaicos.
Também tinha dificuldades para o crime quando estava fantasiado. Afinal, quando o cachorro quente ambulante chegava no pedaço, todxs queriam tirar fotos, abraçar, estar perto de uma picocelebridade instantânea. E Rolando, um psicopata vintage, via naquele mar de fotos e vídeos a negação da própria existência. Contudo, desistir não faz parte dos planos. Ele persistirá!
Copacabana é seu teatro de guerra, mas não mais exclusivo. Já esteve recentemente no Bola Preta, sem sucesso. Navegará pela Banda de Ipanema e pelo Simpatia, também pelo Suvaco de Cristo. Será um desafio ainda maior roubar celulares velhos mas regiões mais endinheiradas da cidade. E quando voltar para sua casa no Bairro Peixoto, só terá o sentimento de prazer cumprido se conseguir um "tijolão", daqueles de 25 anos atrás, que os milionários bregas dos anos 1990 adoravam ostentar.
Rolando tem um pesadelo. Todo vilão tem um ponto fraco. A psicopatia sempre lhe traz à mente a figura de Robertinha, uma jovem carioca que tem um belo aparelho celular vintage, mas que diante de seu ataque criminoso reage com um recipiente grandão de catchup na não, deixando-o banhado da saborosa mistura do creme de tomate com açúcar e condimentos diversos. A impetuosa Robertinha apavora Rolando de vez quando, em seus pesadelos, grita na hora do ataque "EU VOU ENCHER VOCÊ DE PURÊ, E SE ENCHER MEU SACO AINDA TE TACO UM MONTE DE PASSAS!". Quase sempre após vivenciar este pesadelo ou delírio, Rolando sai de onde estiver e apressadamente corre para a Sorveteria Bolonha, esquina de Constante Ramos com Barata Ribeiro, cinquenta anos de bons serviços. Pede um eggcheeseburger, um copo grande de mate da casa - delicioso -, lancha, tenta negar sua condição de cachorro quente humano psicopata, pede a Deus para perdoá-lo dos pecados que comete e morde cada pedaço do sanduíche como se fosse o último da vida.
Pensa no próximo bloco, no próximo crime. E se Robertinha for de verdade? E se ela aparecer com um gigantesco potão de purê, será o fim? E se for um ameaçador tubão de mostarda alemã, o que fazer? A incerteza deixa o esquisito homem-sanduíche de Carnaval em processo de quase pânico.
O que lhe resta é sair correndo da Bolonha, sorveteria e lanchonete clássica onde bem em frente ficavam a Farmácia Piauí, um clássico de Copacabana, além de uma antiga mercearia cuja calçada elevada servia de dormitório para Mr. Éter, o mais famoso mendigo da história de Copacabana. Desce a Barata Ribeiro, passa em frente ao mitológico endereço da falecida boate Crepúsculo de Cubatão, entra na rua Santa Clara antes de se deparar com as lembranças das eternas lojas de discos Billboard e Modern Sound - o Cine Bruni também -, não olha para trás, sobe a rua cheia de árvores, passa pela porta da Padaria Apolo XI - do outro lado da rua não está mais o porteiro Silério - a velha Casa Mimosa, e ganha os metros finais até chegar à Boca do Lobo, a galeria de passagem para o Bairro Peixoto, onde finalmente se liberta de suas obsessões e volta a ser um cidadão quase normal, em defesa da família brasileira, contra o comunismo e em favor dos smartphones.
Robertinha é uma permanente ameaça para Rolando, o vilão vintage de ocasião. Tanto faz se é um holograma, uma fantasia ou uma jovem mulher de carne e osso. A possibilidade de ser ultrajado com quilos de purê em sua fantasia de cachorro quente faz Rolando suar frio. Ela é o terror que pode estar em qualquer lugar da cidade, mas que por razões óbvias tem o DNA de Copacabana.
@pauloandel
(Livremente inspirado na engraçadíssima colaboração de Márcia Abreu do Nascimento)
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