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Thursday, December 06, 2018

o ventre da cidade

debaixo das sombras dos gigantes
do concreto corporativo
driblando um sol de rachar 
lá vou eu: sem grandes ambições
e esperanças modestas 
sem pai nem mãe
sem meu irmão 
meu coração despedaçado
procurando esmolas comerciais
e um lugar bem longe 
do sol de rachar
minhas canções desimportantes
ecoam no imaginário
eu não estou procurando um lugar
ao sol de rachar
o que me basta é abraçar
os que me querem bem
os que cumprem pena de miséria
os esculachados
o meu grande coração machucado
caminha anônimo por entre
os soldados da ditadura industrial
com uniformes beges e neutros
ou tailleurs e conjuntinhos manjados
eu sou uma formiguinha
diante dos grandes prédios
com meus chinelos baratos
uma bermuda esgarçada e rota
e cinco mil poemas
eu não sou nada diante do mundo
talvez um número ou um verso
nada diante da grande fome
e da seca que corrói as vísceras
eu sou a herança do nada 
e com meus passos de formiguinha
em chinelos modestos 
atravesso o ventre da cidade
enquanto homens respeitáveis
com ternos bem cortados vêm e vão
com suas malas importadas
cheias de silenciadores
depois de cinco mil passinhos
eu passo por uma livraria e vejo
de maneira inusitada a mim mesmo
numa capa de papel
depois vou para um restaurante barato
conto histórias e traço planos
sem hora de voltar
eu beijo o ventre da cidade
e penso em versos tortuosos
para o futuro que se avizinha
mas não impede as lágrimas
da saudade desfraldada
onde estão meus mortos? 
meus amigos impossíveis?
onde está o que não foi visto
e o que não se viveu direito? 
eu sou uma formiguinha
e com meus pequenos passos
em chinelos de mocidade
vou atrás de mim mesmo

@pauloandel

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