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Thursday, May 03, 2018

aranha de vidro

renatinha viu uma aranha - de vidro! - no teto e gritou loucamente enquanto jogávamos mau-mau e e eram servidas duas carreiras de cocaína à mesa - ela não tinha nada a ver com o pó, nem eu -, até que a acudimos e ficou tudo bem entre gargalhadas da pós-adolescência. a casa era muito louca, mas sóbria também. todas as tardes nos encontrávamos e havia turmas diferentes: a do metal, a do pop, a do futebol, a de qualquer coisa. renatinha era muito linda e, por isso, o luiz ficou muito louco por ela também, em todos os sentidos. depois eles saíam no carro em direção a são conrado ou outro bairro com ruas de natureza, conversavam, a paixão não era recíproca e o nosso amigo gordinho voltava um tanto desapontado para o carteado, depois de tê-la deixado em casa, bem perto da gente. luiz fugiu de casa aos oito anos de idade e se escondeu na sala da minha casa, enquanto minha mãe dizia que ele tinha que voltar para não deixar seus pais preocupados. ele a chamava de tia, a adorava e disse que, se pudesse, moraria conosco - não dava. na última vez em que nos encontramos, trocamos um longo abraço e choramos: seu pai havia falecido dias antes. dois anos depois, eu abri a porta de casa e encontrei minha mãe em lágrimas. ela tinha ido a copacabana e soube que o luiz havia sido enterrado na semana anterior. era uma noite de quinta-feira, às sete da noite e eu não consegui dormir até o dia seguinte. às vezes encontro com o luiz em pensamentos, lembranças ou quando escrevo sobre ele. muitas vezes eu penso que aqueles dias da aranha de vidro no teto eram os mais felizes da minha vida e de muitos dos que estavam lá, num velho apartamento que tinha cara de junkie - cuja janela da casa permitia ver a artéria aorta de copacabana -, mas que na verdade exalava amor - nós éramos pobres garotos felizes e sonhávamos com um país completamente diferente de toda essa merda que aí está. queríamos nossos jogos, nossas tardes de conversa, nossos amores que voaram pelo vento, nossas músicas e, sinceramente, ninguém falava de dinheiro: apenas de ingressos e bares. 

@pauloandel

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