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Monday, May 01, 2017

Feriado

é difícil demais perceber que não entendemos nada
com nossa nova ordem destrutiva
e a certeza vã da indiferença
o desprezo ao outro, a humilhação
não entendemos o afeto que se encerra
nas mãos estendidas do mendigo
ah, o sucesso que só pode ser dinheiro!
as almas em queda livre e mortal
é difícil demais perceber que não entendemos sequer uma delicada esmola de amor
o egoísmo é a pior forma de solidão
e há quem durma tão tranquilo
desprezamos nossos assassinados
os feridos e mutilados, os inválidos
- o mercado regula, caros amigos!
mas não há existência que resista em ser resumida a uma conta, um número
lá fora, o mundo desaba tão retumbante
e aqui a tristeza é o grande mausoléu
onde iremos guardar tanto ódio, mágoa, arrogância, a pequenez do cotidiano?
os jovens morrem cedo em cassetetes
os velhos morrem sofridos nas macas
e estamos tão tranquilos, indiferentes
que mal existe na dor dos outros, pois?
é difícil demais assumir que pioramos
numa sociedade fascista e tão excludente
copacabana não sorri mais à noite
a avenida são joão é a voz do velório
nunca fomos tão desesperançosos:
Brasil, ame-o ou deixe-o
brasileiro, morra e foda-se
tanto faz pina, ondina, boca maldita, menus
a liberdade é a mesma, meus caros
mais um dia amanhece, enquanto as dores no corpo são entorpecentes
- a solidão é o silêncio de um feriado
você já estendeu tua mão hoje
para quem foi novamente escorraçado?
o que me importa a dor do outro
a felicidade é um tanque de louça à pia
é difícil demais assimilar toda a nossa escrotidão medonha
e o feriado faz cara de pouco ou nada
com seus heróis estúpidos, reacionários
onde foi que erramos a rota e o destino?
a revolução não será televisionada
porque o jornalismo tem hora e preço
na terra esmaecida e fingida, deselegante e insensata por natureza
nunca vamos entender o afeto que se encerra nas mãos enrugadas de um mendigo
na dor do enterro dos meninos
na carne podre que se decompõe diante de sorrisos cínicos e distantes
agora quem abre os braços sou eu
mas não fazemos um país que seja
o brasil é o peito que abriga um coração morto, um cachorro morto na calçada
com seus homens de preto e choques de ordem a gritar
até que a morte nos separe e seja alívio infinito - nem o smartphone é capaz de deter a nova e torpe Idade Média
vamos erguer as mãos para o céu e cantar sobre velhas roupas coloridas
enquanto o mormaço do outono é risco
na pátria mãe dos infelizes fascistas
todos são bem vindos ao velório
e muitos se fazem até de tristes
mas não disfarçam o ódio, a destruição
- mas o que vale é que vai ter sol, uhu!
eu não tenho nada a ver com nada disso
nada, nada, nada, me deixe em absoluta paz!
só o que me interessa é ter o meu país de volta

@pauloandel

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